Primeiras aulas
Era difícil ser uma criança na escola dos anos cinquenta, quando me apresentaram a esse mundo fora de casa. Levemos em consideração que o mundo se levantava da segunda guerra , o meu país passara por uma dura guerra civil, e fazia pouco que abandonara os cartões de racionamentos, as feridas começavam a se fechar, e havia uma atmosfera de tristeza , disciplina e esperança. Se posso pintar aqueles anos, eles seriam exatamente como nas fotografias, em preto e branco.
Com quatro anos e meio já estava matriculado, embora me faltasse meio período para a idade escolar, mas eu queria tanto entrar nesse mundo, que o meu pai acabou me atendendo. Ir para a escola significava exatamente isso, entrar na vida , na sociedade, ser um cidadão de quatro anos ( ?) , uma grande responsabilidade, que tiravam risos disfarçados dos meus pais, pois conheciam bem o meu jeito, e não me cobravam demasiado .
As classes eram escuras, um teto alto ,os professores enérgicos com réguas nas mãos, um discurso político e sonolento, faziam risquinhos no quadro negro; primeiro para a direita, depois para a esquerda, de pé, agora na outra linha...firmem o traço , mantenham a distância entre os pauzinhos...Esta era a aula de caligrafia. Nada de massinha ( nem existia), lápis de cor às vezes ( adorava), brinquedos nem pensar. As histórias eram bíblicas, mas até que algumas eram legais; Noé colocando os bichos na arca, e Adão e Eva pelados no paraíso, só com uma folha lhe cobrindo as intimidades...a gente achava engraçado, mas não dava pra rir. Quando meus pais me perguntavam o que havia aprendido, contava do meu jeito, e eles riam uma barbaridade, pois sempre dava as minhas versões cinematográficas às passagens, e essa imaginação continua fértil até hoje, isso nunca mudou, e muito sério, como se fosse a coisa mais normal, (rindo por debaixo do bigode).
Havia muito "bullying" ( a palavra nem se conhecia), pior do que hoje, as crianças podiam ser muito perversas quando queriam, mas felizmente o meu irmão de seis anos adorava socar o nariz dos outros, nem precisava pedir, e apesar das nossas brigas de irmão, ele respeitava o meu, penso que eu devia ter um nariz privilegiado. O meu irmão era um dos melhores alunos do colégio, aprendia com muita rapidez, era de pouca conversa, e mais tarde viria a se tornar um professor de matemática na USP, um mestre. O meu temperamento era o oposto, mais tranquilo , brincalhão e disperso nas aulas quando perdia o interesse, adorava jogar bola, e desenhar. Até fisicamente éramos bem diferentes, eu loiro e ele moreno.
Os bons momentos da escola geralmente eram quando o ônibus escolar nos levava a passeio, e a farra rolava solta, os instrutores tentavam ensaiar musiquinhas de excursão pelo caminho, mas até a cantoria era regada a risadas e palavras inseridas na canção para parodiar , e só o fato de não estar na sala de aula já fazia explodir toda aquela energia.
A intenção era a de dizer que não haviam cenários coloridos na parede, mundo de fantasias , professorinhas com voz mimosa, falando no diminutivo, e olhos angelicais, nada disso. As escolas era a parte séria do aprendizado, uma sequência da casa, os professores tinham pátrio poder, e assim mesmo não criaram monstros, só homens e mulheres.