Prévias a um sepultamento
Não importa o tempo, não importa a circunstância, não importa nada, nada. Você sempre está aqui, com sua boa audição a me ouvir.
Depois que fiz a travessia, comprei travesseiros. Esse fato pode ser banal, mas não é.
Pensei que precisaria de alguns para o revezamento de minhas lágrimas, minhas saudades derramadas, meus arrependimentos, meus fracassos, meus medos, e se coubesse, colocaria meu orgulho nele.
Eu não precisei de travesseiros. Eu estou muito doente, muito mesmo. E faz muito tempo. Eu considerava que eu realmente ficaria curada, leve. Mas, parece que é uma carga infinda: levar a mim mesma.
Eu não tomei a cerveja que pensei rs. Isso poderia ser triste, mas, acho mesmo melancólico. Obviamente, não pela aquisição do produto alcoólico. É só porque ser feliz dá muito trabalho mesmo, muito mesmo, e às vezes, amanheço ou vou dormir cansada, como agora.
Pensei na ideia de que seres humanos deveriam ter casulos disponíveis, mas, lembrei-me que a casa é esse tipo de casulo, então, melhor mesmo seria ter um controle remoto de desaparecimento instantâneo. Isso sim, faria uma grande diferença.
Eu não consigo correr quando alguém do meu lado caminha, aliás, consigo, mas de um jeito diferente. Se eu perceber que alguém do meu lado regredi, caminha, então, eu corro. Eu corro desesperadamente sem olhar para trás. Eu faço isso, porque eu não quero ver a pessoa parar, entende? Eu tenho que aumentar a minha velocidade para anos-luz.
Com isso, corro um sério risco, aliás, dois: ou eu me espatifo na corrida, ou justamente pelo fato de eu não ter tido a coragem de ver o outro em todos os seus passos, o que aconteceu foi que ele reduziu a velocidade simplesmente para aumentar o impulso da corrida, ou seja, eu me enganei quando pensei que o outro ia parar! Na verdade, somente aumentou a velocidade. Mas, o meu problema é esse aí: eu saio no meio dos acontecimentos. Eu me desligo. Fecho o tempo. Faço pausa. Dou hiato em mim. Sem ouvir, sem acreditar, sem ver, vou morrendo, e quando percebo, morri bem ali, em pé e atuante. Eu tenho mania de morrer e matar as coisas dentro de mim, e ainda assim, viver.
Agora, estou em dúvida: devo morrer ou não? Acho que chegou o momento de enterrar alguém, mas não sei se é benéfico, porque esse alguém sou eu mesma, e tenho medo de ela querer ressurgir com mais força. Mas, estou pensando em matá-la por pura necessidade mesmo, só por isso. É que no momento, eu não estou muito bem com ela, ela não está me fazendo bem, está atrasando minha vida, ao passo que acho estranho alguém matar parte de si. Mas, acho que vou matá-la, por uns dias... Por um ano, quem sabe.
Eliane Vale