Meu pai nunca quis me dar um quarto

Uma das minhas maiores frustrações é não ter um quarto só para mim, pois eu não sei o que é ter privacidade. E a falta de privacidade está me pesando mais do que nunca nos últimos tempos. Ontem, após arrumar a cozinha, eu não pude ir para o quarto ler porque minha irmã estava secando o cabelo. Aliás, esta não foi a primeira vez. Já fiquei sem poder dormir na hora em que estava com sono porque ela estava conversando ao celular com as amigas ou secando o cabelo. Como escritora, também já perdi a inspiração em várias ocasiões. Havia momentos em que estava escrevendo e ela e meu outro irmão entraram no quarto e ficaram conversando junto de mim. Quando eu reclamei, disseram:

-O que é? Está escrevendo suas besteiras?

Isso não é tudo. Houve mais de uma vez em que eu tomei banho e não pude me vestir imediatamente porque uma amiga dela veio aqui e as duas ficaram no quarto, conversando por um bom tempo. Meu pai olhou e disse:

-Ué, ela não vai logo trocar de roupa não?

Minha mãe respondeu:

-Ela não passaria por isso se tivesse o quarto dela.

Toda vez que se toca nesse assunto, meu pai desconversa, porque o que eu mais pedi a ele foi que fizesse um quarto para mim. Mas meu pai nunca quis me dar um quarto. Ele podia tê-lo feito, mas não o fez, para não ter trabalho nem despesas. E eu não sei o que é ter privacidade, liberdade nem nada. Como consequência, hoje, ainda aguento dormir num quarto que vive cheio de xixi e cocô de cachorro. Eu adoro fazer yoga e meditação, mas não posso fazê-lo, porque a cadela yorkshire da minha irmã entra e sai do quarto a toda hora. E não vou fazer yoga num quarto nojento.

Houve várias ocasiões em que eu me disse:

-Sou tão sem importância nesta casa que nunca quiseram me dar um lugar.

Além de nunca ter me dado um quarto, meu pai também não me colocou para aprender a dirigir nem me deu uma bicicleta. E sempre implicou comigo, chamando-me de burra e incompetente. Recentemente, ele disse que eu não sabia tomar conta de um coelho e já falou que "eu podia passar fome por dez dias e ainda ficaria muito forte". E se eu reclamo da forma como ele me trata, ele fala que é tudo para o meu bem, que o mundo lá fora não é fácil e que eu tenho que entender que preciso fazer as coisas com perfeição.

Às vezes, não sei por quanto tempo vou aguentar as grosserias e a implicância de alguém que só me trata como um estorvo, dizendo o tempo todo que sou uma coitada, que meu trabalho não tem eficiência nem eficácia, que sou uma coitada e que o que faço em cinco horas ele faria em duas e que fala que não sou para casar, mas para tomar conta da família quando ele morrer. Posso acreditar que ele faz isso por amor?

Muitas vezes, penso que a vida é uma prisão e a morte seria uma libertação.