Óbvio

Lavei suas roupas. Esfreguei à mão, naquele tanque velho lá dos fundos (um dia hei de reformar a lavanderia!).

A lavadora quebrou e você nem se deu ao trabalho de consertar.

Vasculhei os bolsos das suas calças à procura de qualquer coisa.

Uma carta, um bilhetinho amassado, um dinheiro esquecido,

um ingresso de cinema ou quem sabe até, um ingresso do MAM!

Ai que pretensão, você jamais iria a uma exposição no MAM.

Não achei nada que te incriminasse, que me desse um motivo para iniciar um bate-boca.

Você é tão óbvio.

Ai que tédio te ver chegar todos os dias com o pão francês debaixo do braço, podia ser croissant!

Mas se pelo menos você falasse francês, se você cantasse uma música do Charles Aznavour...

Tá bom! Não precisava cantar, bastava assoviar uma música do Charles Aznavour, baixinho, suavemente...

Te ver chegar, jogar a bolsa no sofá e deitar no tapete cheio de pêlo da Frida, me dá vontade de te colocar para fora de casa.

O jantar está no forno, fiz o estrogonofe que você gosta. Sem pimenta, pouco sal.

Fiz suco de abacaxi, é bom para os seus rins.

Anda, vamos jantar.

Já saiu do banho?

Nossa, que demora. Olha a escassez de água!

Lavou a cueca?

Estendeu a toalha?

Fechou a pasta de dente?

Fechou as gavetas?

Coloca o pijama limpo!

Colocou as meias?

Não ande de meia pela casa, tem poeira!

Então vem, anda logo, senta aí no seu lugar à mesa.

As crianças estão famintas.

A comida já esfriou.

E eu preciso assistir a novela.

Cláudia Cruz
Enviado por Cláudia Cruz em 05/04/2016
Reeditado em 05/04/2016
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