Assim ou ... nem tanto 39
Os Caminhos.
Este canto do Café é onde gosto de estar. Atrás de mim não há mesas e vejo quem entra, sai ou permanece se isso me interessar. É um lugar tão discreto que, se não pedir a bebida quando chego, se esquecem de mim. Entre o gole do chá quente e o correr dos olhos pelo jornal há a visão das pessoas e, pontualmente, o som do que dizem. “Não há alternativa a esta política”, dizia o Presidente da Junta mirando-se no espelho grande, virando-se de lado para acertar a expressão e endireitar a gravata. Não sei se haveria ou não mas sei o que, a esse respeito, disse Nietzsche: “ o único caminho, o caminho direito e o melhor, isso não existe”. De certa maneira tenho de lhe dar razão, disse para mim mesmo. Todos os caminhos resultam de uma escolha, da vontade, da informação que cada um tem, da esperança ou da convicção sobre o acerto da decisão, pensei. Deixei de ver o Presidente da Junta, os amigos, os que passavam para a sala de bilhar e perdi-me a olhar o gato, Sebastião de seu nome, a dirigir-se para a mesa das revistas, a afiar as unhas na juta da toalha e preparar o espaço para a soneca com ar de quem é dono de tudo. Sebastião era negro e dava sorte ao dono, constava. - “ Fiz, exactamente, como me disseste e não resultou”, clamou a Amélia ajeitando o cabelo, nervosa. Pois não, meditei. Muitas vezes é desnecessário acender a lanterna se for de dia. Decididamente, fazer ipsis verbis a mesma coisa sem atender ao tempo ou à nova circunstância costuma não garantir os mesmos bons efeitos. “ A vida é uma rua de sentido único”, escreveu Agatha Christie querendo significar que ninguém pode voltar para trás para mudar de atitude. Faz-se, fica feito. Arrepender-se ou chorar as perdas pode ajudar a serenar os espíritos mas não altera a parcela final. Dobrei o jornal, deixei as moedas no tampo de mármore e encerrei com um pensamento de Bob Dylan a minha divagação sobre caminhos: “todos nos levam à morte”. Afaguei de leve o Sebastião adormecido e, sentindo-me bem vivo, saí.