Partilha

Nos anos 90 eu gostava de tomar umas cervejas numa churrascaria em Pesqueira. A única. O motivo não era só a cerveja estupidamente gelada, mas sobretudo as costeletas de porco com farofa de cuscuz preparadas pelo excelente cozinheiro e dono do estabelecimento, Caxiado.

Nesse tempo fiz amizade com um juiz da Vara do Trabalho, que era doido varrido pelos romances de Garcia Márquez e outros autores da América-Latina, além de também gostar de cerveja e, principalmente, das costeletas com farofa. A churrascaria não tinha ventilador, e o calor que fazia dentro era brabo, talvez maior do que os das cidades dos livros do escritor colombiano. Resultado, Caxiado resolveu colocar algumas mesasna calçada. Foi remédio santo para evitar o calor.

Um dia eu estava com o juiz tomando uma cervejinha e degustando umas costeletas, quando um rapazinho com uma caixa de engraxate nas costas parou na frente da nossa mesa e ficou de olhos arregalados olhando a gente comer e beber. Eu conhecia esse olhar, tinha experiência no assunto, mas o juiz não, ele pensou que o garoto queria engraxar seus sapatos e, no ato, tirou os mcassins e entregou ao engraxate. O garoto começou a engraxar mas, de vez em quando, botava os olhos nos pratos da mesa. Quando terminou de lustrar os pisantes do juiz, este lhe pagou em dobro, satisfeito por praticar uma boa ação. E continuou a falar sobre o Cem Anos de Solidão de Garcia Márquez, acho que sobre a parte que a Bela Remédios é levada para os céus pelos lençóis que estavam no varal. Como o garoto contiava de olhos arregalados, tive que pedir um aparte ao juiz e disse a ele: - Doutor, o que o garoto queria não era engraxar seus sapatos, mas comer um prqato de costeleta, veja os olhos dele, é desejo, ele quwer comer, doutor. O juiz não teve dúvida, chamou Caxiado e mandou botar um prato de costeleta apara o engraxate. No prato vinha dois pedaços de costeletas e qa farofa. O rapazinho comeu vorazmente uma costelata emetade da farofa, aí parou e perguntou ao juiz: - Doutor, eu posso levar essa metade para minha mãe? Ela nunca comeu uma costeleta dessa com farofa. O juiz marejou os olhos e pediu que Caxiado embrulhasse a comida. O rapazinho saiu às pressas para levar a metade parfa a mãe. O juiz me disse que essa cena poderia figurar num dos livros de Gabo.

Foi uma lição de partilha. Inté.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 03/04/2016
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