Quando a pobreza é uma entidade abstrata, condenada e reprovada à distância, o burguês engajado a protege com palavras agudas, que ganham cores intensas num vocabulário contundente e indignado. Porém, quando o pobre ocupa o asfalto, queima pneus, tranca as ruas, interrompe o ir e vir para que ele próprio tente alcançar algum lugar, a burguesia começa a desejar secretamente que a turba inoportuna seja reconduzida e trancada nos guetos remotos. Não importa o que aqueles indigentes pedem, pelo que eles clamam, por quem eles choram. Para o burguês, nada justifica as vias interditadas à sua passagem, o atraso ao compromisso, a falta na consulta ao médico, o voo cancelado, o almoço perdido naquele restaurante nobre. Ele prefere que a paisagem se recomponha, que a miséria volte a ser apenas um ponto folclórico, observado de longe, sem cheiro, sem som, sem vontades.