Dinheiro
O que é nosso dinheiro se não um mero pedaço de papel? A mente e o coração humano são tão medíocres que chegam a endeusar esta coisa (traiçoeira talvez?). Onde está o seu valor? De certo, não é um pedaço comum e em branco de ofício.
- Ah não, papai! – exclamou o filho pequeno ao receber sua segunda notinha amassada de cinco reais – é muito difícil com isto aqui!
- O que é tão difícil, meu filho?
- Me limpar!
- Se limpar? – perguntou curioso o pai.
- Sim! Lembra da última vez que faltou papel higiênico aqui em casa, e o senhor me deu uma notinha igualzinho dizendo que resolveria?
- Com toda certeza, criança. Mas que está querendo dizer?
- Eu me limpei com esse papelzinho e ainda fiquei sujo! Não pode me dar mais? Por que o senhor não compra papel normal?
- Não, não – falou o pai abrindo um desconcertado sorriso – isto aqui se chama dinheiro. Ele serve para comprar coisas.
- Isto compra coisas, papai?
- Tudo o que você quiser. Quando dei a você cinco reais, que terminou por usar de um jeito bem esquisito, era para ir ao mercadinho do Seu Manoel comprar mais papel.
- Aah! Entendi... Porque nós não desenhamos um parecido e compramos a casa do Pedrinho? Ele vive se exibindo dela.
- Seria falsificação!
- Falsificação?
- Não importa querido! Já esta, é uma outra história. Te conto mais tarde – disse o pai dando uma gargalhada.
- E sempre pensei que Seu Manoel dava suas coisas. Costumava pegar suas maçãs, sem avisar, todas as manhãs...
Será que toda a grandiosidade nele contido está em seus desenhos? Quanto mais raro/belo for o animal mais cara é a nota. Será? Mas se a quantia depender da cor? Sim, porque alguns pobres e analfabetos só sabem quanto vale o que está em sua posse pela cor do dinheiro.
- Hei, garoto! Oh! Quanto custa essa caixinha de chiclete?
- É só dois verdim, sinhô moço – Um pur dois e três pur cinco.
- O quê? Quanto?
- É dois verdim!
- Ainda não entendo, meu jovem!
- Dooois verdiiiim – explicou a criança.
- Verdinho, verdinho... Seriam dois reais? – disse o moço apresentando duas cédulas verdinhas de um real recém sacadas do bolso.
- Qué só uma sinhô moço?
- Sim, muito obrigado!
Talvez as cédulas sejam uma fórmula do que está nos cofres do tesouro nacional. Dinheiro representa o ouro. Mas, agora que o olho bem, é muito diferente de um papel impresso. Tem hachuras e escritas em alto e baixo relevo aqui. Como será que eles fazem isso? Colocando ele contra a luz... Olha só! Brilhante, brilhante! Não tinha idéia que havia todas estas singulares características no nosso dinheiro.
Ao receber a quantia das compras de um cliente no supermercado, a caixa examina minuciosamente as notas e diz:
- Senhor...
- Algum problema? – interrompeu o rapaz parecendo nervoso.
- Não vejo as fibras coloridas, senhor.
- Que?
- As micro impressões também não estão contidas.
- Que?
- Aqui não há nenhuma marca d´água e... – aumentando o tom de voz, continuou – as linhas multi direcionais estão... Direcionais!
- Deve haver algum engano, moça, estou vindo do banco, onde tirei o dinheiro e...
- E esta numeração? Que absurdo! W1234567890M! Segurança! Segurançaaa!
É concreto que a sua distribuição se torna, mais e mais, errônea. As riquezas deveriam ser diretamente proporcionais à quantidade de trabalho, ao esforço. Hum... Trabalho... Pode-se comparar a luta diária de um catador de cana com um serviço de recepcionista num hotel? Não querendo menosprezar o cargo. Mas o que temos e vemos hoje, são os chamados “empregos”.
- Primo! Quanto tempo que não reunimos a família!
- Ô, se é! Que “trem” tráiz ôceis pra si vê cum nóis.
- A custo de muito suor e trabalho, meu primo, consegui comprar este belo carro que resolvi por inaugurá-lo vindo lhes fazer uma visita. Pretendo, ainda, financiar uma viajem para as encantadoras paisagens de Roma.
- Maai que babuta! I o que ce fáiz?
- Sou gerente de vendas de uma grande multinacional com sede principal no Canadá. Trabalho de seis a oito horas dia. É um tanto cansativo, mas faço de tudo por minha companheira e meus amados filhos! Recebo bastante por hora extra e mais quando passo do exigido pela empresa.
- Num intendi mermu o qui dissi aí, i neim sei o que é essa tar de murti-sei-lá-o-quê. Mai cê deve de dar brabu!
- Se queres dizer que “dou duro”, sim, é verdade! E você, meu primo? Como anda a vida?
- Normar! Eu me acordo às quatru, começo a cuidar das prantação, dipois tiru leite pras crianças tomá. Minha veia se levanta um pouquim depois, lá na hora que o galo canta. Ela faiz o café e o armoço. Nóis passa o dia todim na lavoura, inquanto ur mininu tão dando de conta dos animar. De tarde é u mermu serviço pra mim e Lamerinda, tua prima, vai deixá meus fiu na escola. De noite eles istudam e eu i minha sinhá tamu dando us último trato nas vaca, boi e porco. Sabe, primo, num sei se me isforço como ocê, mói de que num ganho dinhêro, mai dá pra vivê.
Roubo do banco central em Fortaleza e sua imitação estratégica no Rio Grande do Sul, dólar na cueca, altos salários de políticos. Notícias comuns. Absurdo? O que é comum pode ser absurdo? O absurdo pode vir a ser comum? “Catrinamente” falando, catástrofes como essas vêm acontecendo numa freqüência maior do que podemos suportar. Como já dito, o dinheiro envenena a mente humana. Temos inveja e nos sentimos inferiores a todos aqueles que possuem bens materiais maiores do que os nossos. Não minto em dizer que até mesmo os mais humildes, podem se deixar vencer pelo egoísmo quando vêem uma chance de ganhar uma considerável quantia em dinheiro.
Um sujeito entra em um banco e vê todos aflitos olhando para todos os lados, mais para o chão, procurando alguma coisa. Curioso, o rapaz vira para um senhor que está em pé e parado e pergunta:
- O que está havendo por aqui?
- Foi um rapaz que deixou cair uma nota de cem reais e está todo mundo procurando.
- E o senhor, por que não se meche também?
- Porque o dinheiro está debaixo do meu sapato.
O fato é este: Somos seres dominados! Mas... Antes por outro ser vivo do que algo bruto e sem vida, não concordam? O dinheiro é o todo poderoso. O mundo gira ao redor dele. Dólar, Real, Peso, Dinar, Euro, Ien, Taka, Rublo, Franco, todos são reis mundiais. Estes nomes comandam nosso universo capitalista. Depois dizem por aí que dinheiro não traz felicidade. Não mesmo?
- Padre Santos, como vai o senhor?
- Tudo na mais absoluta paz, meu filho. E você?
- Ah! Tenho dinheiro!
- E como está a sua saúde? Seu câncer vem me preocupando.
- Não precisa! Tinha! Uma operação me curou. Comprei também uns aparelhinhos mecânicos que exercitam todo o corpo sem nem precisar sair de casa. Estou mais saudável que nunca.
- Graças a Deus que tudo está bem.
- Se está! Mulheres não me faltam. Sabe, padre, eu tenho certeza que poderia escolher qualquer uma para casar. Meus carros são uma vitrine com escritas: “Podre de Rico”. É um atrativo para elas. Posso aproveitar, até achar uma que me ame. Meu médico me consulta em minha própria casa semanalmente e junto dele, vem o nutricionista. Minha família sente muito orgulho de mim...
- Ah... Entendo...
- Pois é, padre Santos. E pensar que eu era feio, sem carro e sem um bom apartamento, além do câncer que me atormentava, tudo isso antes da minha promoção no trabalho. Hoje, sou feliz!
É utópico alguém pensar que esta realidade poderá ser mudada. De qual realidade me refiro? Da corrupção causada pelo dinheiro. Não é necessário falar de políticos nesta crônica. Apenas uma observação irei fazer. É fácil julgar! Um homem poderoso se envolve com altos valores quase todos os dias. E como todo ser humano, quanto mais eles têm, mais querem ter. Caem na tentação.
Revoltado por ter sido preso, um político reclama com o companheiro de sela.
- Mais que mundinho de merda esse, não é? Prendem até político!
- Eu que o diga, companheiro.
- O que você é?
- Político.
- Ah! Que coincidência! Viu? O que acabo de dizer está mais do que provado!
- É... Quantos anos você pegou?
- Dez anos!
- E o que fez?
- Nada não! Eu não fiz nada, absolutamente nada!
- Impossível! Eu que não fiz nada, e peguei só quatro anos.
Me atrevo a comentar que é mais agressivo assistir a um daqueles deputados se desculpando de seus crimes (usando palavras difíceis e algumas ironicamente educadas), do que a um programa de luta-livre.
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- Papai! – gritou a criança entrando em casa com um saco de papel higiênico na mão – Entreguei o DINHEIRO ao Seu Manoel e ele me deu essas coisinhas aqui. Disse para que eu as guardasse. Que também se chamavam dinheiro.
- Ele está correto, meu filho! Chamam-se moedas. Elas existem para facilitar a vida dos consumidores e vendedores. E Seu Manoel acertou avisando-te para guardá-las. Preste bastante atenção no que direi agora.
- Sim, papai!
- O dinheiro deve ser guardado, para que possa usá-lo em ocasiões necessárias. Ele não deve ser desejado acima de tudo. E lembre-se... Sempre tenha humildade em seu coração!