" AUSÊNCIA

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim."

 

- Drummond -

 

 

 

 

 

                                E minha bisavó-avó-mãe completou 102 anos!
                                                                    
 
Não tinha sequer uma semana de nascido quando ela me pegou para seus braços fortes. Hoje boa parte do que sou é fruto do que ela me deu. Gratuitamente. Lembro-me que dormia em sua cama de casal até perto dos dez anos. Quando em tenra idade, ela me dava duas mamadeiras e o cafuné sempre requisitados. Nunca me bateu, até mesmo quando raramente merecia. À noite, quando ia rezar ainda criança, sempre pedia à Deus que me levasse primeiro. Tinha medo de viver sem ela, tinha medo de perder tudo que tinha...
Sempre me levava para passear. Como era bom meu Deus!
Em sua árdua trajetória passou por todas as adversidades que são inimagináveis a um ser humano comum suportar. Ela não é comum. Ela é um arrimo forte que não sucumbiu nem diante das maiores tragédias humanas que lhe foram impostas. Não vale a pena lembrar, feridas as vezes não cicatrizam nem com o tempo, e o momento é de agradecimento à sua existência e gratidão por poder ter crescido ao seu lado. Acho que sua expiação foi deveras pesada, mas ao criador não cabe demonstrar irresignação, até porque Ele não falha em seus desígnios, e, geralmente, a cada um é dado o quinhão que precisa suportar. Ela se definia como “Católica Apostólica Romana”.
Hoje a vejo sem vida, em cadeira de rodas, sem se alimentar direito... a lágrima agora não é só interna, desculpem...
Sempre se doou para todos, e por tantos foi esquecida. Mas não precisamos de um cemitério na cabeça, cada um oferece o que é, e o julgamento me é defeso por conceito e crença. Diante Dele ninguém consegue se esconder.
Acho que ela não chega aos 103, mas isto também é decisão divina. Com a inexorável perda do convívio que irá se impor, não perderei tudo como antes imaginava, mas perderei um pedaço muito forte, grande e sadio de meu coração. O reencontro acontecerá em papéis distintos, e nele restará, como hoje, um puro amor.
Por enquanto vamos celebrando a vida e o aprendizado obtido com a alegria e com a dor.
Os anos trazem o necessário amadurecimento, mesmo quando não se quer aprender.
Ela hoje já não reconhece nem os filhos, mas quando perguntei para ela quem era eu, ela disse: “Não é Tarcisio? ”. O aniversário é dela, o presente foi meu...
De tantos ensinamentos de sua parte lembro-me de uma máxima: Que devemos ficar longe de quem amamos se isto for o melhor para pessoa. Esta sim,  prova maior de um amor puro.
Fica com Deus minha amada mãe, e até os 103 se Ele desejar.

 

 

Cada amor é tanto e único.

 
Na correnteza do coração cabe amores tantos...
Como a água do amor a preencher um rio.
E quando parte um braço desse encanto.
Ainda transborda o peito, apesar de vazio.
 
O sentimento perene faz um percurso cheio.
Já que o caminho todo é uma parte de amor.
E o espírito em pedaços continua inteiro.
Ainda que os vazios sejam inteiros de dor.
 
Não temo o que chamam morte.
Mas sinto a falta do colo abrigo.
E se não posso sentir o abraço forte.
Tenho medo da morte por quem vivo.
 
A lágrima copiosa e incontida a encharcar.
É a prova que o amor sobrevive ao físico.
Por alguém quem em vida nos ensinou a amar.

E amando sem morte foi o melhor sorriso.
 
A lembrança é o pretérito presente.
Que eterniza as melhores passagens.
E faz da dor, vida simplesmente.
Para no futuro ser a melhor saudade.
 
Cada amor é um livro.
Cada dor, uma página.
Teu amor... Melhor amigo.
Tua dor... Minha triste capa.

Tarcisio Bruno
Enviado por Tarcisio Bruno em 02/04/2016
Reeditado em 02/04/2024
Código do texto: T5593144
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