"NOITE"
01/10/2011
Cresci ouvindo uma tal “Nhá Chiquinha” com toda a sua sabedoria cabocla afirmar em alto e bom som:”O dia é dos vivos.A noite é dos invisíveis”.
Na seqüência lançava-me um olharzinho meio sinistro e ,como resultado,quando a noite chegava eu quase me borrava temeroso de que “invisíveis” resolvessem compartilhar do pequeno espaço de meu quarto.
No silêncio da noite,”nas horas mortas”( outro termo da cabocla )era eu,menino ainda,uma estranha solidão em silêncio.
Os galhos do arvoredo roçavam o telhado da casa e o ruído trazia-me, em torno da minha cama ,todos os invisíveis de Nhá Chiquinha.Entrava pelos buracos da fechadura a dolorida canção de um parente do vento minuano dos pampas e o uivo dos cães da minha rua tinham a mesma angústia dos uivos de minh´alma ,que por questão de conveniência,eu os engolia à seco.
Aí,pensava com meus botões:
Que bom seria se eu tivesse um irmão e,com ele,dividir meus medos,meus anseios,ter um aliado para enfrentar os “invisíveis” nas “horas mortas”.
A fila anda...O tempo corre,e como!...
É noite agora, na vida de um quase sexagenário.Brota uma lua tímida num céu nevoento.O dia que passou me foi de intensa vivacidade mas...esta noite!? Confesso percebe-la sob o domínio dos “invisíveis”.Rasteja um vento melancólico e a cerejeira entoa sobre o telhado do galpão uma canção lúgubre. Passeia ao longe ,muito longe, um assobio .O eco me chega abafado e as poucas notas que consigo captar revelam-se em acordes tristonhos.Seria o assobiador um “invisível” lastimando em “ horas mortas” a desilusão de um grande amor? Ou somente um boêmio a mais em cambaleante retorno?...
Sem resposta, ponho-me a ruminar meus devaneios. De súbito o céu se abre deixando à mostra algumas estrelas tentando acompanhar o galope ligeiro da lua num emaranhado de nuvens.
Diferente do menino de outrora,solto-me das amarras e venho servir o chá aos fantasmas das horas mortas.
[Essa quietude reconforta-me.]
Um galo canta pela vizinhança,ladram os cães e o jasmineiro escorre cheiros por entre os gradis.
O olharzinho sinistro de Nhá Chiquinha é agora imagem congelada de um tempo de lendas e histórias que rodeavam fogões à lenha.
O sono que ainda não veio,atira-me na imensidão quase negra da noite.A ladeira de pedras ,com precária iluminação,revela-me ao longe um vulto solitário.Parece-me um homem. É esguio . E , como à noite todos os gatos são pardos, parda é a sua silhueta.
Caminha lento. Pára ,de quando em quando,contorna as poucas casas e deixa-se engolir pelas sombras.
Sobras do menino medroso de antes,vislumbram no andante um espectro nas “horas mortas”.
O vento frio harpeja pianíssimo nos fios telefônicos feito um toque de recolher.
Como diria Bibiana , personagem das narrativas de Érico:”Noite de vento,noite dos mortos”.
Eu,ainda muito vivo,retornarei ao meu leito.E que esta noite de lua,cheirando à jasmins,leve de carona uivos ,assobios,pios e coaxares para orquestrarem a orgia dos invisíveis.
Joel Gomes Teixeira