Bleu
Os raios de sol formam um ângulo engraçado. Eles invadem a sala obliquamente e tudo torna-se laranja. “Daqui a pouco vão atingir diretamente os meus olhos” eu penso, sem reagir, no entanto. Continuo deitada preguiçosamente no sofá, encarando o teto. Tantas coisas para fazer.
É estranho pensar que agora estou livre. Sinto-me inflada, cheia de ar, vazia, sem apetite. Estou livre e quis isso por tanto tempo, mas agora não sei o que fazer. Continuo encarando o teto e a tarde vai se apagando e dando lugar ao anoitecer. Mais um dia se passou. Nada mais me prende, posso fazer o que quiser e o que eu quero é ficar deitada aqui. Então isso é estar bem? Parece que vou tropeçar a qualquer momento. Sou capaz de tudo, mas não tenho vontade de nada. Eu estava melhor antes? Com certeza não. Mas antes eu tinha algo no que me segurar. Agora só me resta esse tédio.
Será que eu prefiro me sentir mal a me sentir vazia? Existe uma cortina que enevoa a minha memória e romantiza tudo, isso é certo. Eu tenho tudo que eu queria há alguns anos, mas agora tudo parece tão efêmero. Confiro meu celular, cheio de mensagens que não me sinto disposta a responder agora. Vou ficar aqui mais um pouco.
Não sei responder se progredi ou regredi. É certo que me livrei de uma das minhas bengalas, mas isso é bom? Onde foi que eu cheguei? Por que nada parece suficiente agora? Não estou triste, não senhor, só estou. Tudo é uma grande monotonia. Falta-me intensidade, me falta vontade de viver. Sou livre, e daí? E agora?
Levanto-me e vou até a sacada. A cidade me atinge com um baque. As pessoas correndo no calçadão, o mar intenso e calmo, os carros passando, o táxi amarelo. Tudo isso me enche de emoções subitamente. É exatamente aqui que eu quero estar. Isso é o que eu quero. Então, onde está o problema? Sou uma vergonha porque nem ao menos sei o que quero. Sou fresca.
Ah, Laura, tu és demasiado indecisa. O perfeito é confortável, mas me dá tédio; não quero arriscar. Não quero nadar até não poder mais alcançar a borda e me perder sem poder voltar. O que eu tenho a perder? Não é possível que esse seja o máximo que eu vá chegar nessa vida. Não é possível que seja só isso.
O interfone toca e me acorda de súbito. Meu coração parece pesar uma tonelada. É ela. É ela, ela veio afinal. Não sei porquê me prender nesse desejo de que ela venha, se me fez tanto mal. Nem tenho certeza se a amo ou se é apenas mais um capricho excêntrico da minha parte. Ela nem me agrada de todo. Só é uma lembrança confortável. Uma das poucas vezes em que tive certeza de algo e que me senti bem de fato. Mas Laura, olha ai o estrago. Dois anos para se recuperar de uma aventurazinha de três meses.
Quando estou entediada gosto de relembrar coisas ruins que aconteceram e fingir que estou triste. Talvez a melancolia seja mais confortável do que esse nada. Uma velha bengala que adquiri não sei quando, mas nunca mais consegui me livrar. É estranho pensar que a cada dia que se passa estou menos interessada em qualquer coisa. Que diferença afinal eu vim fazer aqui? Minha existência é inútil e isso eu já sei há algum tempo.
O porteiro desiste finalmente de me contatar e eu volto para o sofá. Agora já anoiteceu completamente e o céu está cheio de nuvens. Continuo a encarar o teto até que meus pensamentos vão perdendo o sentido, sendo invadidos por quimeras ininteligíveis. Resisto por mais algum tempo até que perco a consciência e adormeço.