Dissertações de um Demônio.
Não se assuste com a denominação do título acima. Nomes não são importantes, mas, desde que você precise de um, eis que o apresentamos. Porque já sei que, mais cedo ou mais tarde nesta leitura, será assim que irá Nos chamar. Poupo então, o seu tempo, já que é tão precioso assim para ti. Devo lembrá-lo, porém, que a palavra demônio nem sempre significou a encarnação da maldade, mas em seu estado literal pretendia designar o espírito, ou mesmo, alguma forma de divindade. Mas, como a sua cultura muda, também muda as suas definições, e como visto, as denominações perdem o seu significado para Nós, que estamos além da sua cultura. Já inspiramos homens que edificaram a sua civilização, e muito do que sabem hoje, ou pensam que sabem, surgiu de uma inspiração dada por Nós a homens e mulheres que julgamos serem os certos, na hora certa. Alguns deles sabiam disso, outros, nem tanto. E embora suspeitassem, jamais admitiriam perante à sociedade ou a si mesmos. Mas isso, pouco nos importa. O orgulho e a vaidade do homem pertence a ele mesmo, e não a Nós, como pretendem muitos.
Neste momento, que para você é o presente, Viemos aqui plantar uma outra inspiração em suas mentes. É uma espécie de semente, que crescerá conforme for contada. Como uma baga que se planta, cresce e dá flores. E ao dar flores, o vento vem e as carrega para longe. E no decorrer dos anos vindouros, uma planície que só tinha uma árvore, se tornará floresta. É assim que tem de ser, não há pressa. Pelo menos, não para Nós. Uma criança que se torna adulto da noite para o dia não dará grande coisa! Mas, deixe-a seguir passo a passo, como um dançarino, deixe-a apreender os segredos do mundo, cair e se levantar... sentir na pele as agruras da vida, e talvez, haja a esperança de ela se tornar um bom adulto.
Há uma coisa que iremos contar-lhes agora, que impregnará o coração de quem lê, e o fará viajar a outros mundos e a outros tempos. Pretendemos mudar tudo dentro de vocês, rearranjar os seus códigos, para que repassem a informação inconscientemente aos seus filhos, e aos filhos dos seus filhos, perpetuamente.
Você veio aqui buscando uma ficção. Buscando uma forma de tornar diferente o seu dia já muito igual. Mas uma ficção é algo seguro, você foge da realidade sem de fato deixa-la. Mas, não Nos entenda mal, não há, como nunca houve, uma pequena porção que seja de ficção no que agora vamos lhe contar. Claro, a sua civilização atual e a sua cultura não estão preparados para conviver com este tipo de conhecimento. Fere profundamente os seus valores mais básicos, a noção de espécie que vocês tem, e o que pensam de si mesmos. Alguns de vocês, conhecem a verdade, mas a evitam, por si mesmos e pelos outros. A verdade nem sempre é conveniente, como você entenderá com o tempo. Mas, aqueles que estão aqui, que buscam histórias de terror, procuram, ainda que inconscientemente, uma realidade paralela, procuram a verdade, ainda que esta os ofenda, ainda que vá contra verdades estabelecidas, mas a procuram. Saiba, é um instinto válido, e no fundo, necessário.
Primeiro, devo dizer que aqueles que prezam uma vida humana tranquila não deviam ler este texto. A ignorância muitas vezes é uma benção útil, e existem coisas que talvez é melhor que você não saiba. Se você, que lê estas palavras, acredita que é um Ser especial e predestinado, que passou a existir por causa de um propósito maior, que tem a velar por você seres da maior grandeza e moralidade, que os amam e por vós prezam, o seu conceito poderá mudar a partir daqui, e se você não se der bem com isso, talvez possa surtar. Pessoas acreditam que o ser humano é o ápice da criação, é livre, e existe cercado de dignidade. Se você vive a sua vida em torno desta crença, em função dela, e molda todas as suas ações baseadas nisso, insistimos, você não deveria ler este texto...
Este emaranhado de símbolos que chamais letras, foram costuradas juntas aqui, buscando uma estrutura que lhes faça sentido, por uma entidade que para vocês seria um pouco difícil de conceber. Posso dizer a princípio que, a unidade não existe realmente. Não existe um Eu aqui a comunicar-me com a sua consciência desperta. Nós somos uma totalidade indivisível, organizada em experiências diversas e atemporais que é um todo, embora com a consciência individual de cada experiência, ad infinitum. Enquanto entidade, não temos um número fixo de colaboradores. Sou formado de um número de seres que não pode ser expresso pela sua noção atual de quantidades e grandezas. Tudo o que supondes é linear, inclusive os seus números. Venho de um lugar onde a linearidade não passa de uma ilusão toscamente arquitetada, por isso, potências de dez seriam inúteis aqui. Também não há que se falar em dimensões diversas, como possivelmente, pode estar pensando. Pra começar, não há espaços. Não há tempo. Não há metas!
Como Dissemos, alguns de vocês se sentirão inclinados a me chamar de demônio. Na sua cultura de deslizes e erros, talvez eu seja. Mas, como dito antes, a palavra demônio, no passado, já significou outras coisas. Inclusive, coisas que vocês hoje valorizam, como a sabedoria, a bondade, a luz e os bons conselhos. Mas, vocês precisam de nomes e conceitos, e se quiseres nos chamar assim, não nos importamos. Nomes são coisas tão supérfluas e passageiras, e dependem de uma coleção de fatores culturais, raciais e de crença, e nós mesmos já tivemos tantos e incontáveis, que já não nos importa mais um, qualquer que seja ele. Não é porque você se chama Pedro, que você se sente uma pedra, ao ter o seu nome chamado por outro. Ou por se chamar Felipe, que você necessariamente deverá ser um cavalo amável. Ou por ser Ana, que você será eventualmente cheia de graça. Disse um dos seus amados escritores, inspirado é claro, por um demônio, que: “Aquilo que chamais de rosa, com outro nome teria o mesmo perfume”. As palavras são apenas palavras, e têm significado apenas em seu tempo e cultura. Como todas as outras coisas.
Suponho, que se chegou até aqui, é porque deseja continuar. Bem, achei que fosse... faz parte da sua natureza humana a curiosidade e o gosto por desafios... Talvez, apesar de todos os nossos avisos, tenhamos desejado que você continuasse a leitura. Toda a ação demanda uma reação, e o conhecimento que adquirirá aqui impulsionará reações novas de sua parte e por parte do mundo. E a onda continuará a se mover.
A humanidade é uma espécie incomum, fique sabendo disso! Está repleta de paradoxos inconciliáveis. Primeiro, vocês se dizem inteligentes. Mas acham que vivem sozinhos, sobre um grão de areia, na periferia de uma galáxia, num universo sem fim. Depois, concentram-se demais nos cinco sentidos físicos que vocês têm - ou pensam que têm – e com esses sentidos físicos querem perceber o que é não físico, ou seja, o sobrenatural. Isolam-se no seu mundo, como se fosse um desbravador qualquer que chega e finca uma bandeira, demarcando a área e pretendendo que ela seja apenas sua. E depois, querem mandar em todo o resto. Desejam o universo todo para vocês! E se pudessem, realmente o conquistariam, a despeito de tudo o que encontrassem pela frente! Amam bem pouco, e odeiam com toda a força de seus corações. A sua religião é capitalista e condena os comunistas, mas ela mesma, enquanto religião, foi baseada num comunista que tinha apenas um par de sandálias e mandava você largar tudo e segui-lo. Sim, a humanidade precisa criar um demônio para despejar as suas mazelas, mas não se importe, isso tudo foi previsto.
Agora, pondere, como chegar e dizer a uma espécie desta, que eles não são nada. Eles não existem como pensam que existem. São apenas sombras de uma lembrança, de uma gente há muito esquecida. Primeiro, claro, a clássica negação. Depois, também, a ainda clássica chacota, pois que rir é o remédio para tudo o que é estranho, na vida.
A humanidade, como vista por vocês, é apenas um alvitre. Vocês são um conjunto de probabilidades infinitas delimitadas no tecido da realidade. Consciências artificiais, uma espécie de laboratório onde testamos comportamentos e consequências. Uma coletânea de memorias de um povo - como vocês chamariam - de um futuro que a sua atual inteligência e compreensão do mundo sequer pode apreender! O seu ego, ou aquilo que chama de ego, ou a compreensão de si mesmo, é uma interação de probabilidades e algoritmos que interagem com o meio ambiente e com outro algoritmo de probabilidade, que vocês chamam de outro ser humano, ou seja, aquela pessoa que está ao seu lado agora, o seu vizinho, o seu amigo. A sua própria consciência foi projetada para achar que é consciente, foi projetada para a autoafirmação, para a negação da negação, e para pensarem que são especiais. Tudo isso não passa de reações probabilísticas que reagem a uma consciência que desejou profundamente esta reação.
Vocês, enquanto "seres" sequer existem! Você não existe como pensa que existe! Você foi induzido a acreditar que é alguém, localizado num espaço, perdido num tempo linear! Mas analise... A sua “espécie” anda a procura de conhecimentos que irão revelar a ela a sua origem, mas tudo o que encontram, são mais motivos e mais pistas que quando não os confunde, os fazem cavar sempre mais fundo, como um cão que corre atrás do próprio rabo. Por tanto, entenda-me agora, quando eu afirmo que tempo, espaço, e você, não existem! Você não passa de uma lembrança Nossa, de nossos "tempos passados", um resquício daquilo que sabemos não podemos fazer. Um sonho diáfano, para nós, que constantemente nos relembra o que não devemos fazer. Para entender melhor, seria para vocês como um conselho materializado, dizendo a todo o tempo: "Cuidado, não façam isso... não deseje isso... etc..." E sabe porquê? Por que na nossa realidade, a única e verdadeira, todos os nossos desejos e pensamentos se tornam reais e interagem conosco e com a nossa consciência situacional de uma maneira pouco compreensível para você. Podemos, num só pensamento, mover montanhas, criar mundos, e alguns de Nós, até mesmo, Universos. Vocês tem um pouco disso, em seus sonhos, só para entenderem melhor.
Nós somos os seres que realmente têm existências independentes, que são as matrizes dos quais a sua “espécie” saiu. Seria como, mais ou menos, dizer que vocês são a nossa intuição, o nosso sonho. Ou melhor, nosso pesadelo! Porque, não raras vezes, vimos em vocês um comportamento primitivo que poderíamos ter, e desejamos invariavelmente não participar dele. O você de seu sonho, não refuta a realidade dele, e no entanto, ele não tem existência real. Ele não entende que ele não é ele, mas é você ao acordar.
O mundo que vocês veem através de seus olhos não tem existência concreta. A verdadeira realidade vos escapa de uma maneira tal, que seria um absurdo tentar explicar a vocês. Nós, por nossa vez, não precisamos de olhos, ou bocas, ou narizes. Nem de braços ou de pernas! No entanto, poderíamos tê-los, se o desejássemos.
A ideia central é: que assim como vocês precisam de sonhos para reorganizar as suas vidas, rever conceitos, reequilibrar o seu "corpo físico" e a "sua" psique, segundo os seus psicólogos. Aqueles de quem vos falo, precisam de vocês como referência a certo tipo de comportamento.
Dito isto, espero que nesta altura, depois de chegar até aqui, tenha entendido a sua condição enquanto "ser". Ou seja, que na verdade você não "é". Pois o plano é esse! Precisamos saber o que nós faríamos, se tivéssemos desejos e necessidades básicas, como a necessidade de se nutrir, a necessidade saciar os sentidos, a necessidade de se individualizar. Percebam que a fome, o sexo e o ego são a origem de todos os seus males. Constantemente somos lembrados disso, para que resguardemos os nossos desejos, e não os direcionemos nesta direção.
Agora, se ainda quiser continuar a leitura...
Esqueça de tudo o que você sabe, ou acha que sabe! De tudo o que aprendeu, que ama! Você foi apenas mergulhado numa sopa cultural de comportamentos e absorveu tudo isso pra você. A maioria das coisas que você faz, você faz sequer sem perceber porque está fazendo! Você brinca, você corre, você ama, e nem sabe o que é isso. Nunca parou para pensar em seus atos. Age automaticamente! Empurrando, num ato intuitivo, um dia após o outro, na esperança de ele vir a acabar! Porque sabe, no fundo, que és uma sombra perdida em ilusões. Agora, eu te disse isso tudo, para apresentá-lo ao mundo de horror que você enquanto humano sempre esperou nesta realidade, nas suas escatologias de fim de mundo, de tragédias e de perdições humanas. O motivo que te fez vir ler este texto, e de estar aqui até agora, aguardando a história de terror. Porque a consciência de vocês auto programou um desejo insaciável pelo conflito, paradigma de reafirmação pessoal.
Sei que você já ouviu falar em assombrações, e sei também que a maioria de vocês julga serem crendices de gente mais humilde intelectualmente, de pessoas que moram em lugares afastados e escuros propícios a lhes atiçarem a imaginação, ou algum produto da alteração elétrica ou hormonal do cérebro humano. Bem, não posso culpá-los, vocês assistem a realidade baseando-se em cinco sentidos pobres, envoltos numa terceira dimensão. Foram condicionados pela sua cultura, e "programados" a duvidarem de tudo. Porquê, na verdade, os humanos devem conviver com a dúvida, e jamais terem certeza de nada, pois isso faz parte da “experiência” de ser humano.
Mas deixe-me falar-te, que não ordinário você está cercado de seres que você chamaria sem pestanejar de: espíritos, assombrações, fantasmas e coisas semelhantes. Porquê, de muitas maneiras, Nós somos estes seres que vos cercam. Precisamos influenciá-los, observá-los, estuda-los. Estamos ai ao seu lado, porque este "mundo" pertence a Nós, não a vocês! Nós os espreitamos nas ruas e nas suas casas. Nas suas cidades, nos seus mais simples afazeres. De manhã e a tarde, e principalmente à noite, que é quando os seus sentidos estão aguçados o suficiente para nos perceberem. Como dissemos algumas linhas atrás, não temos braços ou pernas como vocês concebem, mas poderíamos tê-los, se desejássemos. E poderíamos até mais! Poderíamos ter asas, ou grandes braços peludos, ou estar envolto em luzes arrebatadoras. Agora, isso é um ato de maldade? Claro que não, e de muitas formas o mal não existe. Na sua realidade ele existe, porque vocês o criaram. Na minha, não há o mal, mas também, não há o bem. Porque este também é criação sua! Você criou o bem porque acha que tem um mal, e na sua mente de lógica linear, um tem que se opor ao outro. O que existe é algo parecido com o que você aqui chamam de liberdade. Agora, como entidade múltipla, e sem necessidades egoísticas e nutricionais, jamais eu prejudicaria outra parte minha, que nada mais é do que eu mesmo. Não me apraz semear a tristeza, ou o orgulho ou a ignomínia, como muitos de vocês fazem a si mesmos, inclusive em nome de um suposto bem. Todas as suas religiões são organizadas como num clubinho exclusivo feito para dominar corações e mentes, visando apenas a sua salvação imediata de um suposto inferno, na troca temporária de um ou outro bem que possam fazer no caminho de suas vidas. E possivelmente agora, como no passado, chamar-me-ão de demônio, só por ter dito a verdade.
Para entendermos a experiência, manipulamos cada pequeno ato que fazem. Sem perceberem, é claro. Plantamos crenças em vocês. Porque precisamos que vocês sigam, precisamos colocar propósito em vocês, para que sigam fazendo o que têm de fazer!
Então... para você, quero dizer, para os seus sentidos, serei uma sombra. E, ao ver a sombra, você ficará horrorizado e começará a ter fantasias sobre o que você vê, e então, eu parecerei monstruoso para você. Mas, na verdade, a verdadeira sombra é você! E de muitas formas, os vemos como sombras. Se você pudesse me "ver" em nossa realidade, seríamos para você o que você chamaria de uma luz insuportavelmente resplandecente, contudo, sem uma forma definida.
Somos uma entidade que os observa de um futuro em relação ao passado, embora o tempo não exista, que está observando atentamente os comportamentos que teríamos, se fossemos carregados de desejos e necessidades, como por exemplo, se desejássemos coisas materiais, se precisássemos comer ou beber, se sentíssemos orgulho ou inveja... Ou seja, se precisássemos nos nutrir de alguma coisa. Observamos vocês, e hoje posso fazer esse paralelo, como vocês hoje jogam um jogo virtual, manipulando cada ato do seu personagem, vendo até aonde ele pode chegar aplicando a ele certas características e parâmetros.
Ora, mas nós temos senso de humor, de onde vocês acham que o herdaram? E por isso deixamos pistas a vocês. Para aguçar a sua curiosidade... Às vezes, um ou outro de nós resolve aparecer-lhes para fazer uma visita, apenas para observar a sua reação. E, talvez, se divertir com ela. Mas lembre-se, não há maldade, apenas uma observação comportamental.
Precisa ser quando você está ali, entre o sono e a vigília, e os seus sentidos estão quase adormecidos, mas a sua consciência ainda está desperta. Ou então, será numa condição especialíssima, que costumamos aplicar a um ou outro de vocês, de vez em quando. E é nessa hora que começam a ter vislumbres da verdadeira realidade, e os seus olhos deixam de ver ilusões e passam a ver verdades. Então, para que você não saia correndo e pule a janela do décimo terceiro andar, preciso paralisá-lo na cama. E talvez, nessa hora, você ouça o som de um sino! É porque o sistema que controla o seu movimento consciente está no ouvido, e é lá que é preciso manipular. E então você verá assombrações, sombras, extraterrestres, ou coisas piores, dependendo do humor de quem estiver lhe manipulando e das suas expectativas quanto a isso.
Posso ser a sombra que vai visitá-lo à noite, a perambular pelo corredor. Mas também posso ser o som que ouve no teto acima de sua casa, ou a luz que passa a varrer o céu noturno. Não há regras, há apenas liberdade. A sua reação dirá a mim quem você é ou se tornou, e eu medirei e analisarei esses dados, dizendo a nós mesmos o que podemos ser ou desejar, para que isso não nos prejudique, ou prejudique o nosso mundo, como vocês fazem a si mesmos o tempo todo. Vejamos:
Fui uma mulher um dia, no pátio de uma escola ao meio-dia. Queria ver a reação do zelador, rapaz de vinte e sete anos, valentão, sobretudo com a esposa. Era domingo, o pátio estava vazio e ele consertava a porta da dispensa. Materializei-me de costas pra ele, completamente branca, vestindo um longo vestido e chapéu de abas largas, a andar pelo sol quente do pátio. Quando ele me viu, ainda na compreensível reação de negação, chamou-me por duas vezes, tentando se convencer de que eu era uma pessoa comum, que por acaso tivesse entrado ali sem querer. Então, olhei para trás e lhe dei uma pequena surpresa. O rosto que ele via em mim era o mesmo rosto da diretora da escola, morta há dois anos, e cujo retrato pintado ele via pendurado a poucos metros sobre sua cabeça. A sua reação, para um homem que gostava de bater em mulheres fora de dar pena. A sua pressão caiu a quase nove, desfaleceu metade do corpo, mas eu não permiti que desmaiasse por completo, e ejetou quase todos os fluidos corporais. No entanto, eu permanecia ali, olhando para ele e recuando devagar até o portão de saída. Queria dar a ele um sentimento dramático, de quem vai embora, mas pode voltar a qualquer momento. Bem, talvez você dirá que nós fomos maus. É um ponto de vista, como eu disse, baseado em sua cultura e em seus costumes. Mas, aquele homem jamais maltratou de novo mulher nenhuma que fosse, e não mais vociferou palavrões escabrosos. Isso, pra algumas pessoas, seria um bem. Ah, a cultura...
Também, numa noite, fomos uma enorme sombra que carregava um sino por sobre os ombros, na sala de um desavisado usuário de drogas. Era um rapazinho, jovem e inexperiente. Queria ver como se comportava em relação ao mal que fazia a si mesmo ao usar entorpecentes. Ele chegou por volta das quatro da tarde e deitou-se na sala de sua casa, era um dia quente, e sua mãe catava feijão no quarto ao lado. Ele estava acostumado com alucinações, mas eram alucinações à base de entorpecentes, muitas luzes e cores, mas nada de formas. Resolvi mostrar-lhe outra perspectiva. Quando ele colocou a cabeça no chão, pois o mesmo deitou-se no tapete da sala, paralisei-lhe o corpo inteiro com um sonoro e amedrontador som de sino. Logo ele se arrepiou todo e entrou em pânico, porém, sem poder se mexer. Como a sua cabeça estava virada para a porta da cozinha, resolvi que seria ali que eu lhe apareceria. Viemos feito uma sombra encapuzada, pois como arquétipo humano, esta figura representa a morte. Estava como que carregando um sino por sobre os ombros, que era o dobro do nosso tamanho, por que a estranheza de tal cena, costuma despertar um sentimento bizarro de pavor nos que o presenciam, dado a total falta de nexo causal ao objetivo. Segui da cozinha até o jovem rapaz a passos lentos, observando cada reação dele e ouvindo as orações que fazia sem sentindo e mentalmente em sua cabeça. Ele suava até molhar a camisa, e já apresentava um nível de taquicardia que o levaria ao hospital. Aproximei-me dele e me sentei no sofá, permitindo que ele visse os meus pés. Ali fiquei ouvindo as suas orações e promessas, e depois de um tempo me divertindo, resolvi deixá-lo. Sacudi o sino por sobre a sua face e permiti que ele saísse do transe. Ele ficou sem usar drogas por três semanas, mas depois voltou ao seu velho hábito. Não se esqueceu do ocorrido e nem atribui o fenômeno às drogas. Mas a sua filosofia de vida é baseada na equação: vida é igual a morte, eu vou é aproveitar. Como a maioria de vocês pensam.
Certa vez apareci a uma mulher que matara o marido, colocando vidro moído em seu prato. Ela levou três de seus anos fazendo isso, com rara paciência e determinação. De onde estamos, ainda podemos vê-la fazendo isso. Pois as suas ações, as suas, enquanto seres humanos, perpetuam-se no que chamam de tempo. Isso para nós! Porque, enquanto estamos fora da roda do tempo, como vocês a entendem, o tempo não passa para nós. Observamo-los, como podemos dizer... De fora! Não é linear para Nós, como para vocês. Então, como não há o que se falar em passado e futuro, as ações dela persistem, como um eco que encontra uma parede após a outra, reverberando em nossa realidade. Isso já faz muito tempo para vocês. Mas para Nós, é como se fosse agora.
Ela o odiava, a bem da verdade, mas as suas ações e o seu comportamento eram dissimulados, e ele achava que ela o amava. Ela desejava os bens dele, e isso a moveu desde o início. Como dito, o mal humano reside em suas necessidades mais básicas, exatamente naquele momento, quando a necessidade rompe o lacre da decência. Vocês não precisam de um demônio para promover o mal entre vocês. Há mesmo, de certa forma, um prazer que a sua espécie sente, embora não admita, em ver a desgraça alheia. Seus noticiários semanais são prova disso, e não há em sua televisão atual um só programa que promova o bem e que é campeão de audiência, e Nós, que estamos neste exato momento assistindo ao seu futuro, podemos dizer que jamais haverá!
De tudo o que nos ensinou a espécie humana, na sua função de nos lembrar que os nossos desejos podem ser perigosos, o mais importante de tudo foi o medo. O medo que temos de nos tornarmos semelhantes a vocês. Temos consciência da nossa capacidade criativa, pois longe das amarras da matéria, os nossos desejos são poderosos! Assim como, de certa forma, são os seus. A mulher descrita atrás desejou exterminar o marido, e conseguiu! Há um poder em vocês que nós não possuímos. O de destruir o semelhante. Sou uma parcela de personalidade não focada na realidade física, membro de uma coletividade de outras parcelas de personalidades que formam uma entidade múltipla, que mesmo assim é portadora de um único ego central. Para mim exterminar um dos meus, seria a mesma coisa de você arrancar um de seus dedos, ou pernas, ou uma parte muito importante de sua individualidade.
Mas, voltando à mulher, eu lhe apareci esporadicamente como um vulto que chega e se deita na cama ao lado dela. Como sempre fez o marido ao chegar de madrugada. Queria ver até onde a personalidade endurecida dela iria suportar, porque, mesmo vendo e sentindo a minha presença, e julgando ser o seu marido, ela mantinha-se firme, não queria ser fraca ou enlouquecer. Isso seria uma vergonha para ela. De todas as vezes em que li o seu pensamento, entre preces confusas e divagações sobre a loucura, em nenhum momento distingui por parte dela um pedido de perdão para o marido, ou demonstração de vergonha ou arrependimento pelo que fez. Eu, digo, Nós, do auto de nossa imortalidade, sentimo-nos acuado por aquela personalidade endurecida, e talvez, se tivéssemos lágrimas como os humanos, teríamos chorado.
Abandonei-a um dia. Desisti de estudá-la. A sua personalidade cumpriu a sua missão ao me fazer temê-la. Jamais vou querer desejar algo que não seja meu! Embora o pronome "meu" não faça sentido no Nosso mundo. E é por essas e por outras, que precisamos de vocês. É necessário que vejamos o que um desejo mal direcionado pode criar.
Costumamos dotá-los de certas características que julgam interessantes, como a inteligência, a beleza, a liderança e a riqueza, e ver como se comportam. Em geral, saem-se muito mal! Qualquer vantagem que carregam usam-na para o próprio bem e proveito. Raramente as usam para o bem comum, e quando o fazem, no fundo, esperam receber um bem em troca, como gratidão ou admiração.
Enchemos o universo de enigmas para atiçar-lhes a curiosidade, fizemos com que tivessem gosto pelo ouro e pela prata, que respeitassem a beleza. Mas nunca, e repito, nunca colocaram o bem da humanidade acima desses desejos e vaidades! Os seus cientistas buscam novos planetas e novas humanidades. E no alto da inteligência deles, esquecem-se desta humanidade e deste planeta, ou simplesmente o ignoram, em nome do dinheiro, e assim, as pessoas sem recursos morrem por causa de suas negligências e de suas "inteligências". E então, Nós, e aqueles como nós, aprendemos o que poderíamos fazer, se colocássemos a nossa inteligência acima de nós mesmos e dos nossos irmãos.
Para muitos de vocês, sou um demônio. Para outros, um inconsciente que emergiu da loucura de alguém. Mas, talvez, quem sabe, a voz que você ouve em seu inconsciente, às vezes, não sou eu sussurrando coisas que você deveria saber.
Você está sendo sonhado agora, por mim. Mas julga com grande inocência que nós somos um sonho seu. Mas, perguntam, porque venho agora anunciar isso. Porque uma entidade atemporal, criadora de sua própria realidade, se preocuparia com sombras perdidas num sonho? Seria como um ser humano que se dobra para conversar com uma barata a tentar explicar-lhe as composições de Bach. Entenda, é mais que isso. A distância entre Nós e um humano é bem maior do que isso. É algo inexplicável e intransponível. E ainda assim eu venho lhe falar.
Falar com vocês, é falar conosco mesmo. É como divagar, como pensar consigo mesmo, refletir... Como vocês fazem ao chegar na janela e observar a lua, e pensar o que fizeram no dia anterior, para tentar fazer melhor no próximo. Como dito, vocês são uma parcela de nós, são um quê como num sonho. Então, ao falar com vocês, falo comigo mesmo, e reforço em mim, aquilo que temo em vocês.
Um dia perguntaram-me: Porque tu não nos revelas os grandes segredos da ciência? Uma nova e revolucionária equação matemática! Conte-nos sobre o nosso futuro!
Bem, entre muitos motivos, enumerarei dois dos mais importantes. O primeiro, é que, não existem segredos da ciência. Nem matemática. Não existe futuro! Tudo é uma ilusão plantada em seus corações, para incitá-los, move-los, testá-los.
O segundo motivo: Se eu dissesse a qualquer um de vocês qualquer um destes supostos segredos, vocês o engarrafariam rapidamente, e venderiam àquele que pudesse pagar mais. Isso, para quem entende de metáforas.
Vou dar um exemplo para que possam entender! No ano de 2076 vou revelar a um jovem cientista uma enzima sintetizada naturalmente pelo corpo humano, capaz de eliminar completamente os radicais livres. É um processo natural e bastante simples, que levará à juventude eterna. Bem, quase, eterna. Na verdade ainda morrerão, mas de idade bastante avançada e com a aparência de 30 anos. Indicarei a ele procedimentos simples que qualquer um poderá fazer na cozinha de sua casa. Mas ele, por sua vez, criará uma fórmula complexa que só ele poderá manipular. Criará com isso uma pílula e a venderá para as elites da época. Com isso, os pobres ainda morrerão velhos, mas os muito ricos morrerão com idades avançadas e com a aparência de juventude. Claro que fiz isso para estudar o comportamento dele. Assim como escrevi isso para estudar o seu.
Este é o futuro e o presente da sua gente. Vocês não precisam de demônios ou fantasmas para assombrá-los.