ZÉ DOS GATOS

Zé dos gatos. Vou chama-lo assim. Você pode dar o nome que desejar, afinal em todos os lugares nos deparamos com pessoas que têm vários corações. Você não acredita? Olhe ao seu redor e veja se já se deparou com alguém que tem um coração no peito. Sim, o que faz TUM, TUM. Além desse, ela tem um nos olhos. Tem outro nas mãos. Ainda tem um nos pés. Tem um nos lábios. Tem um nos ouvidos...

Esse é o Zé dos gatos e dos cachorros. Mas, no momento vamos deixar os cachorros de fora. Passando em frente de sua casa vi que enquanto ele se aproximava um, dois..., dez,...,quinze..., dezoito gatos iam aparecendo para chegar até o lugar onde ele iria colocar algo no chão. Deduzi que seria comida. Mas, dezoito gatos? Muitos, né? Pois foi assim que começou nossa conversa sobre seu amor pelos bichos. A esposa do Zé só faz sorrir da ‘gatalhada’ que antecede a chegada do ‘rango’. Até aí tudo bem.

Zé contou que onde ele trabalha também tem outros bichanos que dependem dele. Um dia percebi que no meio das ‘gatalhadas’ vinham uns cães. Ôpa, Zé, que é que deu agora? Gato com cão? Ambos de todos os tamanhos. Ele ergue os ombros e mostra a sacola cheia de comida. Dentro de casa já existem cinco cães e um gato. No trabalho tem uns cinco, mais uma cadela que ele encontrou debaixo de uns entulhos, toda machucada e já prestes a ter uma ninhada. Essa semana ele me mostrou as fotos dos novos ‘amigos’. Todo orgulhoso me contou que a cadela é zelosa, e que teve cinco machinhos e uma fêmea – coisa rara. E acrescentou: ‘Vou ficar com três, porque não consigo me desfazer de todos’.

Você pode pensar que esse senhor é um desmiolado, um pobretão, um esquisito, um zé-ninguém. Não. A casa dele é linda. Tem um emprego estável e razoável, como poucos brasileiros têm. Uma família amorosa e nunca o encontrei aparentando infelicidade. Cuida dos pais idosos com desvelo, acompanha os filhos e netos e quando percebe qualquer dificuldade estende a mão com o intuito de aliviar as cargas. Socorre os vizinhos, faz questão de estar em todos os velórios no intuito de compartilhar a dor do próximo.

Na última vez que conversamos ele me falou de um fato que havia presenciado numa noite onde a chuva não dava trégua. Ele me disse: ‘ Vi uma cadela carregando um filhote na boca e por horas ela tentou resguardá-lo da chuva. No dia seguinte quando fui procurar a coitada para alimentá-la e ver as condições do filhote percebi que ela já havia partido. Olhei para um lado, e nada, mas quando olhei para a subida do morro vi a cadela carregando seu filhote, como se tentasse evitar que tirassem dela sua última riqueza’.

Olhei pra’quele homem e não escondi as lágrimas. Ele falava, mas era como se não me enxergasse. Eu o ouvia. A visão se materializava na minha mente - uma manhã fria, uma ladeira que ia dar numa pedreira, uma cadela carregando seu filhote. Percebi mais uma vez que entre os animais existem laços que muitas vezes não são encontrados entre os seres humanos. Você pode me questionar: Amor? Animal não ama! Pode ser. Mas, pelo menos o instinto protetor de muitos animais nos sensibiliza a ponto de compararmos ao sentimento mais nobre que Deus deixou como semente no coração dos homens. Infelizmente, a criação mais nobre tem deixado essa semente morrer.

E você pode me pedir uma explicação sobre a história das pessoas que têm vários corações. Vou pedir licença, porque o sono já me turva os olhos e a mente não consegue divagar dentro desse tema, mas prometo voltar em breve para brincar novamente com as palavras.

IoneSak 01/04/16

Ione Sak
Enviado por Ione Sak em 01/04/2016
Código do texto: T5591312
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