Aconteceu na madrugada de uma quinta-feira...

Na madrugada de uma quinta-feira dessas, todo o prédio onde moro, aqui na SQN 415, estava muito quieto, como sempre, pois boa parte dos moradores têm que acordar cedo para trabalhar ou estudar. Acho mesmo que só eu estava acordada por causa da artrite, osteoartrite, tendinite, bursite e capsulite (será que não daria pra envelhecer sem tantas "ites"?). E pra não acordar meu santo esposo com tanta inquietação, fui parar na poltrona da sala.

Quando estava quase desligando os sentidos, comecei a ouvir um barulho de ferragens sendo arrastadas e de motores de carros maiores do que os que normalmente são estacionados por aqui. Esperei mais um pouco e resolvi olhar pela janela. Tomei um baita susto: várias vans e dois caminhões estacionados junto à calçada, uma barraca terminando de ser montada e muita gente, mas muita mesmo, espalhada no jardim do prédio.

Qual a primeira coisa que me ocorreu? Será que é uma invasão, dado que aqui tem alguns apartamentos pra serem alugados? Será uma manifestação começando a ser organizada? São pessoas que vieram de fora para algum evento - casamento ou formatura - e não queriam ter gastos com hotel? Aí o susto virou apreensão, quase pânico. Acordei a família toda e todos ficamos observando e tentando entender. Logo percebemos que o furdúncio estava ligado a um certo apartamento de outra prumada.

Só bem mais tarde, conversando com o síndico, ficamos sabendo de tudo direitinho. O nosso bloco tinha sido transformado num set de filmagens. A barraca era para o camarim e num dos caminhões havia um gerador de energia que serviu para alimentar holofotes que jogavam luzes contra as janelas dos apartamentos.

As moradoras do referido apartamento, que é alugado, cederam o imóvel para uma produtora de filmes gravar cenas de um longa-metragem dentro do apartamento e deram no pé, se mandaram. Acontece que nem nossas vizinhas, nem o diretor da produtora solicitaram autorização prévia, e tampouco comunicaram ao síndico sobre os planos. Aliás, segundo o diretor, as vizinhas até disseram a ele que no prédio não havia síndico, o que deixou o nobre administrador muito injuriado.

Não tenho nada contra cinema - aliás, até aprecio muito. O que não apreciei foi a forma como tudo foi feito, na surdina. Se tivessem sido os condôminos consultados ou avisados, estou certa de que ninguém teria feito qualquer objeção e até se sentiriam orgulhosos em colaborar.

Aí fico me perguntando: será que não existe mais respeito no mundo ou ele foi transformado em falta de educação e civilidade? Fala-se tanto em liberdade, mas que liberdade egoísta é essa?

As pessoas chegaram, tomaram conta do espaço, ignoraram a lei do silêncio e as regras de boa convivência. Quando saíram ainda deixaram o jardim coberto de tufos de cabelo (alguma moça ruiva deve ter perdido as madeixas).

E nós aqui ficamos com nossa indignação e noite de sono perdida. Ah, e sem contar que minhas "ites", depois dos momentos tensos, deram muito "pano pra manga", como se diz na minha terra.

Waíra Duarte
Enviado por Waíra Duarte em 28/03/2016
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