O império da árvore

Não sei quem inventou essa brincadeira, mas já perdi a conta de quantas vezes tive que escolher um animal para querer ser, se não fosse o que já sou.

Sem conseguir me identificar totalmente com nenhum dos animais (nem mesmo com o homem pós-moderno), e por temer escolher um animal que revele meu lado mais pernicioso, sempre escolhi ser um animal que me inspirasse alguma piada.

Outro dia respondi querer ser uma girafa: pra estar sempre por cima.

(Na verdade, respondi querer ser uma girafa só porque ouvi falar que o Vinícius de Moraes respondera isso. Gostador de Whisky, ele queria sentir por mais tempo o ardor descer garganta abaixo.)

Outras horas, disse querer ser um urubu: pra ficar, pelo menos, com os restos; um tatu: pra encontrar o caminho das pedras; ou um peixe: para em seu límpido aquário mergulhar....

Jamais respondi querer ser uma rã: pra viver subindo pelas paredes; uma baleia: pra morrer encalhada; ou um hipopótamo: pra viver de molho.

Faz tempo que não me fazem essa pergunta, mas o que acontece é que terminei me transformando. Não num animal, mas numa árvore.

Eu nem sabia. Descobri essa minha metamorfose quando já estava prestes a passar pelo meu primeiro desfolhamento.

Aprendi sobre a minha condição com Rainer Maria Rilke, em uma de suas cartas ao jovem poeta, quando escreveu: “ser artista não significa contar, é crescer como árvore que não apressa a sua seiva e resiste, serena, aos grandes ventos da primavera, sem temer que o verão possa não vir. O verão há de vir. Mas só vem para aqueles que sabem esperar, tão sossegados como se estivessem em frente a eternidade.”

Não que eu seja ou queira ser um artista, mas foi nessa definição de artista que soube estar crescida feito árvore.

Uma criatura como eu, que nunca soube esperar, que sempre preferiu viver apenas um quarto dos anos da vida a ter que viver toda a vida e passar pelos tempos vazios de paixões, emoções e transformações, naturalmente estranhou esse estado; mas gostei.

Fiquei tão feliz com a minha nova condição de árvore que até adiei meu desfolhamento: resolvi esperar pelos grandes ventos da primavera que virão em setembro.

Só espero que, além de grandes, sejam bons esses ventos. Senão, façam-me o favor de me trazer um machado: meu lado gente não agüenta desfolhamentos.

Cristina Carneiro
Enviado por Cristina Carneiro em 02/10/2005
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