Minha noite no Terminal da Barra Funda

Por uma daquelas "casualidades" da vida, passei a noite de quarta passada, 23/3, no Terminal Rodoviário da Barra Funda, em SP, que dá acesso também ao Metrô e aos trens da CPTM. Da meia-noite até as 6 da manhã fiquei convivendo com pessoas fantásticas, que transformaram aquele espaço no seu local de dormir cotidiano. Afinal, lá tem segurança, é protegido do frio e da chuva e tem banheiro liberado 24 horas. Fui aceito no grupo (umas 25 pessoas, homens, mulheres e crianças) logo de imediato, ficando claro que o sentido de inclusão faz parte das suas regras de convivência. Lá conheci o Rodrigão, que passou 37 anos e meio preso por tráfico de drogas (que ele jura que foi uma tremenda injustiça) e que me contou histórias que foram, para um escritor de biografias como eu, um prato cheio de inspiração para os inscritos que vou parir daqui pra frente. Conversei bastante com o Inéias (assim mesmo, com I, como fez questão de frisar), que foi gerente geral de uma grande loja de departamentos em Itu e há 10 anos começou a ver vultos vagando pelo estabelecimento, de início de forma ocasional e que depois foram se avolumando, até formarem um exército de vultos que ocuparam toda área da loja fazendo uma algazarra que não o deixaram trabalhar mais sossegado. Fez a "besteira" de comentar o fato com alguns subordinados que fizeram a rádio-pião levar a informação até a diretoria e o desfecho dá para imaginar: foi demitido. Quando a esposa, companheira de 22 anos, ficou sabendo do motivo da demissão (ele não tinha comentado com ela as visões com medo de ser ridicularizado), o abandonou, indo morar com os pais em Sergipe. Na época, o Inéias estava com 48 anos e, apesar de todo esforço e de uma carreira de gerente bem construída até começar a ter as tais visões, não arrumou mais emprego. A parte que lhe coube do dinheiro da indenização conseguiu mantê-lo por quase 3 anos e acabou sendo despejado, já que ficou quase um ano sem pagar aluguel. O jeito foi se tornar pedinte assumido e, todas as noites, religiosamente, bate ponto no Terminal para dormir. A Dorinha! Linda morena em torno de trinta anos e que há 4 anos passa suas noites lá, acabou tornando-se uma espécie de organizadora e "juíza" daquela turma, porque vira e mexe tem algum incidente (como roubo do papel que usam para se proteger da umidade do chão frio). Ela trabalhava numa padaria em Londrina por quase 10 anos, Paraná, na produção dos doces e ficou os últimos 3 se defendendo das investidas do filho do português, dono da padaria, que não devia ter mais de 15 anos. Até que uma se cansou de ficar resistindo (sem contar que o rapazinho não era de se jogar fora...) e o deixou fazer o que tanto queria. Resultado: ficou grávida. Quando o português soube do fato não teve dúvidas: não desistiu até levá-la a uma clínica de aborto para que fosse lá feito o "serviço". Acabou tendo hemorragia e ficou dois meses internada num hospital público de Londrina entre a vida e a morte. Quando teve alta, soube que o português tinha vendido a padaria e voltado com a família para Sintra, em Portugal. Depois de procurar emprego sem sucesso por quase um ano em Londrina, resolveu vir para São Paulo, apesar de toda sua família ter se oposto a isso, e tentou arrumar algum serviço sem sucesso. Dormir no Terminal é a forma que encontrou para não ter que pagar aluguel. Garantiu que se não arrumar algum trabalho até final de março, vai de volta para o Paraná. Ouvi mais umas 7 histórias de outras pessoas que fazem parte daquele enredo tão peculiar, inclusive duas delas me fizeram chorar de emoção, pode acreditar. Como já escrevi de muito até aqui, se quiser ouvir os outros relatos, indique aqui mesmo que terei o máximo prazer de relembrar os detalhes deles para passar a você. Abraços!

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Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 25/03/2016
Reeditado em 25/03/2016
Código do texto: T5584352
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