A Lagarta e o Fede fede

Resido, trabalho, constitui família e, portanto, morro a cada dia no noroeste gaúcho.

Para além da história da região, alguns fatos pitorescos nos marcam. Esse, foi de um colega de outro estado, que me acompanhava em uma atividade de campo.

A região foi colonizada por uma diversificada cultura entre indígenas, negros e europeus. Esta última dominante.

A metade norte do estado do Rio Grande do Sul, o planalto, originalmente era tomada por uma exuberante vegetação. Para quem se entranha no interior dos municípios dessa região, por estradas vicinais, ainda verá pequena amostra dessa vegetação, testemunhos de um passado distinto.

Estudiosos do assunto atestam que a colonização, tal como foi concebida, provocou a maior devastação florestal do estado.

A dominação dessas terras por europeus se deu, fundamentalmente entre os anos de 1890 e 1914. A ocupação da área, minuciosamente partilhada, esquadrinhadas com dimensões de 250 por 1000 metros, resultando em lotes de 25 hectares, eram chamadas colônias.

Em um século a região saiu da atividade extrativista, passou pela cultura de subsistência e evoluí para a monocultura mecanizada, servindo de exemplo do agronegócio atual.

A família do colono original, em regra, era numerosa, pela própria necessidade de mão de obra. Os lotes pequenos, aos poucos tornavam-se insuficientes e assim o processo de ocupação se replicou.

O modelo foi exportado, pelos filhos dos colonos, para o oeste de Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso, ganhando o centro e o norte do país. Foi tão intensa e impactante essa ação e seus reflexos, ao ponto de colonos gaúchos serem comparados a gafanhotos.

A opção por esse modelo agrícola, tem seu preço. A expulsão de muitos do meio rural, o aumento da periferia nos aglomerados urbanos a concentração da propriedade, em um processo de racionalização crescente e constante da atividade, que ainda não se esgotou.

Nessa realidade a região detém o segundo maior índice de aplicação de agro químicos per capita, se comparado a outras regiões do Brasil. Dados dão conta que o uso destes produtos ultrapassa a 5 litros por pessoa, por ano.

Isso se comprova na observação diária de máquinas percorrendo as lavouras com tanques de herbicidas, pesticidas, inseticidas, fungicidas.

A atividade de familiar passou a ser complexa, com intenso emprego de tecnologia, tanto nos insumos como nos equipamentos.

A realidade se comparada a atividade agrícola de duas décadas passadas é desmedida. nos dias atuais se enfrenta a ferrugem asiática, ontem, com controle biológico combatia-se a lagarta e ao fede fede (percevejo).

Em minha atuação profissional, quase que diariamente me desloco ao interior. Acompanho a mais de 20 anos essa realidade, observando e conversando com agricultores.

Muitos, de outras regiões, por um ou outro motivo, me acompanharam nessas idas e vindas. E diversas vezes dei esse depoimento histórico aos visitantes.

Mas um deles me pareceu inusitado e vale recordar.

Certo dia, numa dessas estradas, em plena cultura da soja, visualizamos um carro estacionado ao lado de uma lavoura, sob uma bela sombra.

Na medida que nos aproximávamos era possível perceber que o veículo apresentava um certo movimento cíclico e uniforme, característico.

O Acompanhante, com um misto de espanto e curiosidade indagou:

- O que isso?

Respondi calmamente:

- Provavelmente um agricultor que aí estacionou para olhar a lagarta.

- Como sabe que é a lagarta e não o Fede fede?

- Pela placa do veículo!

Completei:

- É do estado.

- Como Assim?

- Se fosse Campinas com certeza estaria olhando o Fede Fede.

O Colega que me acompanhava balançou a cabeça contrariado e permaneceu em silêncio por um bom tempo até entrarmos na área urbana próxima, quando comentou:

- Já comentei com você que toda minha família é catarinense?

PS: Dedicado ao agrônomo Carlinhos, nascido nas entranhas do Noroeste colonial