A ESCALA CHAMA
Sempre tem a primeira vez em tudo na vida. No namoro, na barbeiragem, na briga, na viagem, na escola, no quartel, em geral a escala chama.
Quando me apresentei, ou melhor fui apresentado para servir na cavalaria, lembro da primeira vez que fui ao rancho. Aquele cheiro de comida no ar, o barulho das bandejas, os talheres articulados, tudo era novidade. Confesso que não gostei e achei, não só eu, todos meus companheiros, que jamais comeria aquele “rango”. Tijolinho de sobremesa salvou o gosto ruim. O que mais chamou atenção foi o chá gelado bem doce. Não apreciei, mas com sede bebi duas canecas, carne era pouca, chá à vontade. Depois descobri: Chá broxante!
Teve a primeira ida ao barbeiro, inesquecível! Para cabeludo traumático! A primeira instrução, a primeira farda, o primeiro coturno, o primeiro plantão, o primeiro tiro, o primeiro serviço de guarda ao quartel, marcante. A primeira vez que meu nome cantou na 4ª parte do BI, quem não lembra? A primeira mijada, bom essa, sinceramente, eu não lembro, pois foram tantas... E a primeira vez que o rondante me pegou cochilando? Ainda bem que o sargento era camarada.
O primeiro soldo, ah este sim, e o primeiro lanche na cantina do Assef. A primeira conta no banco, o primeiro talão de cheques. Lembro da primeira marcha. Primeira patrulha. Do primeiro acampamento.
Lembro muito bem do meu primeiro serviço de comandante da patrulha à guarnição. Não tinha até então, tirado nenhum serviço de patrulha, nem como soldado, fui promovido a temporário e num sábado me vi de comandante da patrulha mista da guarnição. Um motorista, um cabo, três soldados e mais um cabo e dois soldados da PM, ainda bem. Os militares da PM tinham experiência no meio civil. Nós do EB, éramos crus. Eu então, um “gringo da sera”, ingênuo, sem traquejo, sem malícia estava mais perdido que cusco em procissão.
Como dizia, era um sábado. Dormimos o dia todo, tranquilidade total. À noite saímos, era noite de São João. Cada vila uma fogueira. Cada fogueira uma encrenca. Meu Deus do céu, aquilo era peleia e mais peleia. Quando viam a patrulha chegar, a mulherada vinha correndo pedindo ajuda para apartar brigas. E eu na chefia, mas graças a Deus e aos PMs, tudo saiu bem.
Depois de tudo se acalmar um pouco, resolvi fazer a ronda pela cidade, que meus colegas, mais antigos, haviam me recomendado. Passaria nas casas das tias. Nesta noite descobri que eu tinha muito parente na cidade. Tia Eva, tia Gláucia, tia Silvia e outras tias mais. E cada priminha! Na tia Sílvia, ali no Povo Novo, dois sargentos antigos, um da cavalaria e outro da engenharia, estavam prontos para começar a guerra. Os dois armados, municiados e turbinados.
Eu, guri novo, não tive coragem de me meter, voltei ao quartel para buscar reforço. O Oficial de Dia, mandou comigo o Adjunto. Prá que! Chegou fardado, de cinto NA, colder e pistola. Entrou na casa e ficou um tempão lá dentro. Quando posicionei minha tropa para invadir o recinto e resgatar o antigão, ele apareceu na maior cara de pau ajeitando a farda. Ainda bem que ninguém brigou. Tomaram uma cervejinha e as tias acalmaram todo mundo.
Foi bom. Foi muito bom! Uns 3 ou 4 dias depois descobri que eu estava premiado. Foi só a minha primeira vez. A escala vermelha chama e eu não sou pulador de escala. Me apresento na parada pronto pro serviço!
JORGE LUIZ BLEDOW