Mini-Folhetim - Tertúlia Literária - III - Final

O deputado rindo disse:

- A sua casa, Simeão, virou uma academia de letras. E você, camarada, Dino, não tem um personagem preferido dentre os romances que já leu?

O comunista que calado e fumando o seu inseparável Continental, observa o debate, respondeu tranquilo:

- Tenho, deputado. Não li tanto quanto vocês, mas do que tive a oportunidade de ler, a personagem que mais me impressionou é feminina, não tem, reconheço, a sensualidade das baianas, mas me encantou. É "Baleia", a cachorra do roamnce "Vidas Secas" de Graciliano. Para não haver discriminação de sexo, gostei também do cachorro de "Quincas Borba", de Machado de Assis. Que fidelidade a daquele cachorro!

Depois dessa opinião, as pessoasbalançaram a cabeça e os ombros como quem diz "é mesmo", não pensei nisso, ele pode ter razão". O padre foi o único a fazer um comentário contestando em parte a opinião do comunista:

- Seu Dino é um leitor muito arguto, há uma certa verdade no que ele disse, mas há também uma pitada de exagero.

Aí a discussão enveredou para a poesia. O juiz era fã de Manuel Bandeira , ele disse que esse poeta fora o seu primeiro alumbramento no campo da poesia. O deputado defendeu Gregório de Matos. O padre ficou com Jorge de Lima e Ascenço Ferreira, mas disse que para ele bom mesmo era o português Fernando Pessoa. Seu Dino apontou Augusto dos Anjos, mas apontou também Emídio de Miranda e um jovem de Rio Branco, Givaldo Rodrigues. E Francisquinho e Geraldinho do Correio optaram por Carlos Drummond de Andrade. Francisquinho como argumento para sua opção disse que Prestes quando saira da prisão em 45, em entrevista à imprensa, afirmara queDummond era o maior poeta do Brasil. Então o padre, já alegre devido ao vinho, disse:

- Mas essa é a opinião de Prestes que na certa é apenas um simples consumidor da poesia como todos nós. A opinião dele, portanto, não deve influenciar a sua, Francisquinho, seria uma absurdo.

O presidente da UDN, Eduardo Cintra, Durval e Seu Simeão e e esposa, apenas observavam o debate, mas Dalva Costa notando que ainda não tinham citado o seu poeta favorito exclamou com certa indignação:

- Essa não, vocês esqueceram, me parece que de propósito, do maior poeta do Brasil em todos os tempos. Um cara que viveu apenas vinte e poucos anos e que escreveu o que há de mais belo na nossa poesia, tanto romântica como de combate. Poeta, pssoal, foi e continua sendo Castro Alves - virou-se para Durval que estava calado e disse - vai Durval declama um pedaço daquelepoema dos escravos para avivar a memória deles.

Durval que era um exímio declamador de poesia declamou asexta parte de "Navio Negreiro"; quando disse o últimno verso, "Abdrada! Arranca este pendão dos ares!/ Colombo! Fecha as portas dos teus mares!", as palmas comeram no centro. Todos foram obrigados a reconhecer que a "Passionária" (era o apelido dela) tinha razão.

Então, de repente, bêbado,adentrou no recinto o locutor Dedé Bravo que ouvira parte do poema de Castro Alves. Antes de mais nada ele censurou os presentes por não ter sido convidado para "este sarau etílico-literário". Encheu um copo de uísque e tomou de vez, sem fazer nem careta, e disse:

- Com a devida aquiescência de Seu Simeão e de dona Guiomar, em homenagem às letras pátrias, tomou a liberdade de declamar um poema porreta da autoria de Jorge Amado, "O Poema da Mulata Desconhecida", que consta do seu romance "O País do Carnaval". E mandou brasa gritando nos últimos versos:

"Por isso, cheirosa mulata/ do meu Brasil africano (O Brasil é um pedaço d'África, que imigou para a América),/ nunca deixes de abrir as coxas/ ao instinto insatisfeito/ dos poetas pobres/ e dos estudantes vagabundos,/ nessas noites mornas do Brasil,/ quando há muitas estrelas no céu/ e muito desejo naterra".

Os resentes riram e apaludiram o locutor. O padre disse a Seu Dino: "É uma figura esse Dedé, se não existisse tinha que ser inventado. É o sal da terra".

Antes das despedidas, o juiz propôs um brinde à dona Guiomar, afirmando:

- Creio que todos concordamos pelo menos num ponto: mais importante do que a literatura é, sem dúvida, o vatapá de donaGuomar.

Dedé que havia colocado uma colherada do vatapá na boca, fiel a sua fama de contestador e de bêbadochato e incoveniente, exclamou:

- Discrepo, excelência, o vatapá tá meio amargo.

F I M

P.S. Pardón, amigos, sei que forcei a barra. Sou um véiochato, anacrônico e besta.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 23/03/2016
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