A Tragédia Grega Mais Brasileira – do Lethe à Tália.

As fases da lua duram sete dias, o mundo, na tradição religiosa, foi criado em sete dias, a semana possui sete dias... O sete simboliza um ciclo. Um ponto de início, com a certeza de um fim. A vida é um ciclo, que mesmo sem ter exatamente a ver com o sete, tem seu começo, seu meio e seu fim. Sei bem que há momentos tortuosos na vida do ser, mas sei que o ser é capaz de se regenerar, porque não há pranto que dure uma noite inteira, nem uma noite que não se rompa com um amanhecer. Mesmo em meio à tempestade, há o resquício de esperança em forma de oração, ou mantra, ecoando no silêncio da mente: vai passar. Na certeza da incerteza, no grito de clamor em silêncio, há de passar. É um ciclo. Um ciclo que precisa acabar, como a vida, para que outro se inicie. Como a fênix ressurge das cinzas, algo deve (res)surgir.

O frio não pôde me deixar aquecer o corpo, que está esmorecido, cansado, ao léu. O corpo, mergulhado no umbral de sentimentos nutridos à base de incompreensão e mágoa, agoniza. Clama, com os olhos, forças para mover-se. Para onde? Talvez para onde o sol aqueça, onde o sol traga luz... A sabedoria... Oh Deusa Mnemósyne, que tuas Musas possam bailar quando meu barco ancorar frente a ti, para que eu não caia no esquecimento. Que pelo menos o legado de ter feito a minha parte para ser, seja lembrado... Que seja de vossa vontade que esse maldito seja lembrado como alguém que dedicara a vida à ser phós, sendo candeeiro dos sentimentos bons, existentes no mais fundo poço do ser humano. Queira-vos, que as vossas filhas Calíope, Euterpe, Clio, Melpomene, Terpsicore, Erato, Polimnia, Urânia, e Tália – principalmente Clio, Melpomene e Tália – representem a história da minha tragédia e que vos faça rir. Que, na minha história, as musas encontrem amores não correspondidos, escritos com o coração, pena e tinteiro em punho; que os próprios amores entendam seus ciclos, suas horas de começar e terminar; que vos faça rir, pelo menos, da desgraceira de nascer doente, pobre, feio e gordo e, ainda assim, ter o mínimo de garra e gana para se atrever a viver.

“Deus é um cara gozador, adora brincadeira”, dizia Chico Buarque e é bem verdade: na fossa o infeliz consegue brincar com o próprio azar. Não o de ser pobre, doente, quiçá gordo, pois há quem diga gostar. Brincar com o azar de saber que ciclos foram feitos para começar e terminar e, ainda assim, resistir ao seu fim.

“Ora, moleque, cresça! Estas citando um mito grego, citando Chico Buarque de Holanda e ainda assim cai na mesmice de lamentar!? Não notaste vós que não ei de apiedar-me de vossa fossa, guri? Vós que não trate de erguer-se com as pernas sãs que vos dei, que por sinal são roliças como as de um paquiderme, e caminhe para um novo ciclo... Afinal, ao final há um final, guri. E tudo que se encerra, há um motivo. Entender-se-á na hora que tirar de fronte os olhos sãos que vos dei, entender-se-á quando vos destapar os ouvidos (não tão sãos assim, é verdade) que vos dei; para que enfrente a pedra que ordenei o Rei da Justiça pôr em seu caminho; para que entenda que o caminho tortuoso e cheio de tropeços que o Senhor dos Caminhos fizeste, sob minha ordenança, para que percorresse fosse para que aprendesse que não há vitórias sem dificuldades. Agora enxugue essas lágrimas... Ande... Já, já rompe a alvorada de um novo dia e tudo volta ao ciclo. Seja de um dia, de um amor que se acaba ou somente da ideia dos ciclos. E no mais, lamentar e chorar não o levará a nenhum lugar que necessita ao longo deste ciclo... E olhe, trate de descansar! Não programei seu dia à toa e quero que cumpra fielmente todos os meus planos. Desde o início do ciclo, até o fim dele...”

E em meio à tantas idas e vindas, meu ciclo vai... Onde? Ainda não descobri, mas terei tantos que, quando este terminar, só saberei ao seu fim... De Grécia, explicando a morte à Chico explicando a sorte – da desgraceira de ter nascido pobre, gordo, sofredor. Coincidência? Talvez... Não mais quero deixar escapar a oportunidade de encerrar um ciclo. Um ciclo que no fundo, ou nem tão nu fundo assim, não faz tão bem como se parece. A invasão surgiu, o medo se foi e o lamento ecoa no umbral marginal, clamando o resgate... Um socorro quase espiritual, do martírio que próprio causei, sem querer, sem saber de onde surgiu.

Talvez um café me mantenha acordado, ou quiçá algo me faça dormir. O que eu quero é que o ciclo, o maldito ciclo, mostre sua gargalhada transbordando em mim relances, sinais que comprovem a certeza que me toma agora: é o fim. É o início. Não mais um meio e bem distante dele, como o livro que se tinha tanta vontade de ler e agora está jogado na sua estante, empoeirado, cheio de conteúdo, mas com a poeira da repulsa que não se querer mais absorver conteúdo nenhum. A poeira é repugnante tal qual são os sentimentos trevosos e maledicentes, a mágoa e a pena...

Voe, voe... Para onde haja um resquício de esperança... De certeza que irá ficar tudo bem... E irá ficar tudo bem... Amém...

Eduardo Costa (Apresentador)
Enviado por Eduardo Costa (Apresentador) em 22/03/2016
Reeditado em 22/03/2016
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