David Bowie e o apontador de lápis
Quando era criança, meus pais e eu fizemos uma viagem para o interior de São Paulo para visitarmos uma tia. Certo dia, esta tia resolveu levar minha mãe para conhecer a cidade e comprar algumas coisas, enquanto eu fiquei em casa brincando com meu primo. No fim da tarde elas voltaram do passeio, minha tia cheia de sacolas enormes enquanto minha mãe apenas com uma pequena sacolinha. Ela sorriu e me entregou. Como criança, confesso que fiquei decepcionada antes mesmo de abrir. Afinal, o que poderia ter de tão legal dentro daquele mísero pacotinho? Era o melhor presente que eu tinha ganhado na vida.
Havia dois pequenos apontadores de lápis, um em formato de cofre com um dólar estampado e o outro um coração, metade azul e a outra amarela e em sua superfície havia uma espaço cheio de um material brilhoso, uma espécie de glitter, que se mexia com o movimento, além de uma lua crescente e uma estrela dourada desenhadas. Minha mãe, com toda sua humildade, mostrou um profundo conhecimento sobre mim. Ela sabia muito bem que eu era uma criança sonhadora e que olhar para aquele simples apontador seria mágico para mim. E como era. Eu viajava até a galáxia mais distante, até o profundo da minha criatividade e nessa viagem, quase podia sentir a poeira estrelar soprando no meu rosto, e era a sensação mais reconfortante que já tinha experimentado.
Com o passar dos anos, aquela sensação que meu objeto mágico preferido me proporcionava foi perdendo espaço para outras inerentes à adolescência. Meu apontador agora ficava guardado numa gaveta. Anos mais tarde, quando fui procurá-lo, me dei conta que o havia perdido e fiquei realmente chateada com isso. Algum tempo depois, perdi também minha mãe. Eu não tinha mais o frescor da minha poeira estrelar e nem a única pessoa capaz de reconhecer quando eu precisava de magia, mesmo quando ela só pudesse ser encontrada num singelo apontador de lápis. Até que uma canção tocou.
Era a fantástica “Starman” tocando no rádio tarde da noite. Mais de trinta anos depois de sua gravação, a música ainda era capaz de encantar uma jovem que só conseguia ouvir rádio de madrugada (seus heróis só tinham espaço nesse horário), que ainda comprava cds e descobria o significado das composições pelos encartes. Ao escutar aquela canção senti a poeira estrelar no meu rosto de novo. E podia sentir quando eu quisesse dali pra frente. Aquele homem que cantava conseguiu uma coisa que só minha mãe havia conseguido até então. Quem era?!
Era David Bowie. Era Ziggy Stardust. Stardust. Poeira estrelar. Tudo fazia sentido. A magia estava de volta. E pra sempre será assim.