Mini-Folhetim - Tertúlia Literária - I

Eles se reuniam, nos sábados à noite, na casa do vereador José Simeão. Além de apreciarem a fidalguia do dono da casa e da sua esposa, Dona Guiomar, uma baiana especialista em vatapá. Era uma oportunidade de baterem um papo ameno sem a presença dos chatos e incovenientes. Dentre os últimos estava incluído o locutor Dedé Bravo que quando bebia provocava gregose troianos. Naquele dia o vata´pá estava divino.

Começaram bebericando e conversando o trivial simples, os boatos, as especulações políticas e ouvindo o repertório de anedotas de Durval. Nessa oportunidade juntara-se a eles o juiz, doutor Genilson, que estava em Canaã substituindo o titular que adoecera. Esse juiz era esquerdista até à medula e fora companheiro dos tempos de adolescência do deputado Jorge Cunha. Segundo o deputado, o magistrado quando jovem era fanático pelo traseiro das mulatas e ganhara o apelido de Papa-Bunda.

Quando começou a fase que eles denominavam de "Tertúlia Literária", coube ao deputado tirar o centro, ou seja, dar o pontapé inicial:

- Padre João, trouxe um livro para o senhor, é um romance, "Notuirno sem Música", escrito por um conhecido meu, um rapaz de São Bento do Una, Gilvan Lemos. Um cara que não estudou em nenhum colégio, um autodidata, nele cai como uma luva o verso de Noel: "Batuque é privilégio, ninguém aprende samba no colégio". O samba dele é a literatura. É um romance notável.

O juiz entrou no assunto literatura:

- Quando eu era moço, junto com Jorge e outros colegas, passávamos horas conversando sobre personagens de romances brasileiros. Cada um de nós tinha os seus preferidos. Recordo que o personagem preferido de Jorge era Paulo Honório, do romance "São Bernardo", de Graciliano Ramos. Você ainda continua com a mesma opinião, nobre deputado?

- Não, meretissimo, Paulo Honório é realmente um marco da literatura, um personagem arretado, mas virei a casaca com o passar do tempo e hoje estou dividido entre amensagem de rebeldia e liberdadedo capitão Vitorino Carneiro da Cunha, o "Papa-Rabo", de "Fogo Morto", de José Lins do Rêgo, o maior nome da nossa literatura, e o fascinio por Capitu, o achado maior de Machado de Assis. Dele gosto também de "Quincas Borba", aquela teoria de que "humanitas" precisa comer é genial.

Seu Dino notou que o juiz franzira o cenho à menção do "Papa-Rabo", dera a impressão que estando de olho na bunda de Dalva, assustara-se, talvez recordando o próprio apelido "Papa-Bunda", mas recuperou-se e comentou:

- Pois eu continuo com a mesma opinião. Adoro os personagens de Jorge Amado, os vagabundos, as putas, os capitães de areia. Há uma sensualidade incrível nos romances dele. A vida pulsa adoidada. E há as baianas, ah, asbaianas! Desculpe, dona Guiomar, mas sou muito sensível às baianas.

A dona da casa uma morena jpá adentrada nos anos, mas mantendo aquele à vontade dos baianos, riu maliciosa.

O deputado sabendo que estava entre amigos provocou o juiz:

- Por causa da voluptuosidade das baianas, ginga, tesão, né Genilson?

Dona Guiomar continuou rindo.

- Também por isso, nçao vou negar. mas sobretudo pela alegria que ele transmite nos seus livros. Pela esperança e vida. É, tem o componente do dengo,manha, sensualidade que exala das páginas do livro quando ele descreve as mulatas. Gosto de Jorge Amado, seus livros são divertidos, otimistas e isso não prejudica o enfoque dos temas sociais. Os personagens dele são fascinantes. O negro Antonio Balduíno, de Jubiabá, é fabuloso. Pedro Bala, Felipe, o belo, todos os capitães de areia sçao antológicos. E a Lívia de "mar Morto". Até a prostituta Margot e Paulo Rigger de "O Pais do Carnaval" sao excelentes. E os personagens de todos os seus romances, principalmente "Terras do Sem Fim" e "São Jorge dos Ilhéus". Não sei quem é o melhor personagem dele, acho que é mesmo o povo da Bahia. Mas vouabrir uma polêmica: vejam, Graciliano é um estilista, concordo, mas seus livros são secos,sem nenhuma sensualidade; ela neles é como sexo de galo, algo animal,ligeiro demais, envergonhado, parecendo pecado. Perdão, senhoras, desculpe padre, mas não há tesão nos livros dele. É um arretado na análise psicológica, na linguagem concisa e enxuta, no português escorreito, mas não tem a vida dos livros do baiano.

Continua -

P.S. Sei que estou forçando a barra, principalmente porque este escrito que achei fazia parte de um romance, mas perdoem, fiquei com vontade de publicar. Detalhe: a época em que se passa a história Jorge Amado ainda nao tinha escrito Gabriela. Abraço.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 21/03/2016
Código do texto: T5580672
Classificação de conteúdo: seguro