Estou de luto

Eu também estou de luto. De luto por ver que o ódio cega. De luto por ver que a intransigência, essa sim, elevada à nova Ética, se expande e contamina. Estou de luto por ver que a pretexto de moralizar um país, tem se recorrido à custa de toda sorte de abusos sem se preocupar se tais escolhas não servirão de mote para os mais absurdos atos. Estou de luto porque esse mesmo país, frágil na Educação, na Saúde, enfim, em tudo que nos falta, esse país, tão logo tem uma chance, se mobiliza para destilar seu ódio. E para que seu ódio se transforme em algo palpável, esse mesmo país, ele todo, defende procedimentos que pensávamos esquecidos. Procedimentos que deixaram marcas indeléveis ainda não cicatrizadas. Marcas que ferem não só a carne, que ficam para todo o sempre no mais íntimo de nosso ser, como sinal de que para eliminar o Outro, todos os meios são disponibilizados. Meu luto, provavelmente não terminará até que chegue minha hora. Tenho 50 anos, não sou nenhum ancião, nem, tampouco, um garotinho. Nesses 50 anos aprendi que saídas açodadas e amparadas numa pretensa moralidade circunstancial, não se sustentam. Agrava-se mais quando muitos dos que apregoam essa moralidade, eles mesmos, assim que a circunstância aparece, cometem atos tão aberrantes quanto aos que fingem combater. Estou de luto, não por mim, que já aos 50 não me resta mais tempo que o suficiente para lamentar. Lamentar do que ódio é capaz de produzir. O que essa cega obediência produz. Eu sei que muitos sabem disso, o foco não é moralizar nada, mas, impedir que, o que se decidiu num escrutínio com muitos concorrentes, o escolhido consiga dar aso ao que se propôs. Se há ou se houve desvios, lancemos mão dos procedimentos que lutamos tanto para que deles façamos uso sem recorrer às saídas contrárias que deixaram marcas e cicatrizes. Quem apoia esse tipo de atitude somente porque não se contenta com a escolha vencida, o que posso fazer? Então, eu também estou de luto. Um luto dolorido porque não da carne, mas, um luto que me invade e eu me sinto impotente. Sou impotente para lutar contra o ódio. Sou impotente porque contra o ódio não há remédio. Não faz muito tempo, o ódio foi a base do nazismo. Os campos de concentração, nada mais foram do que a manifestação do ódio na carne. Então eu também estou de luto. Um luto que talvez provoque escárnio em muitos outros, mas contra isso eu não posso fazer nada. Esse mesmo ódio, há tempos, serviu de sentença contra aquele que muitos chamam em sua hora derradeira. Porém, e lamentavelmente, me parece que nem isso impediu o revigoramento do ódio. Repito: estou de luto. Fosse todo nosso problema causado apenas por um governo ou Partido, seria fácil. Mas como falar em Ética quando se sonega, quando se ignora o respeito ao deficiente, quando se ignora o idoso ou a idosa. Quando se ignora a vaga de deficiente, de idoso ou apenas o direito á escolha feita. Então, não vou discutir com você esses fatos. Somos divergentes por princípio. Nunca tentei fazer ninguém mudar de opinião. Sempre busquei algo que me fizesse acreditar que parte do projeto por eles implantado morreu de inanição, mas, devo reconhecer, eu perdi. Fui vencido, fui heroicamente derrotado no campo da consciência. Essa consciência que nos diferencia dos animais, e, no entanto, em momentos liminares, essa consciência sofre o golpe certeiro da intolerância, da busca por saídas que eliminam o Outro naquele que lhe é mais caro: o direito de ser quem é, do jeito que é sem se sentir encurralado sem ser alvo do ódio somente porque não concorda com o que lhe apresentam. Então, eu reconheço: fui vencido, fui derrotado na busca por uma Humanidade que transcendesse credos, ideologias, pele, origem; enfim, fui nocauteado na busca por uma Humanidade que se perdeu – se é que um dia a tivemos – e nos leva a atitudes animalescas porque eliminando o Outro, abre-se espaço para que o ódio floresça e finque raiz e dê frutos. Eu também estou de luto. Te quero bem meu vizinho, meu amigo ou mesmo estranho, mesmo que nossas posições não deitem no mesmo colo.