MEU PAI ( 8ª parte )
Terminada a construção da nova casa, nos mudamos. Tive o prazer de ver minha mãe dormindo bem em seu novo quarto e cozinhando em sua nova cozinha, e também tomando banho quente num banheiro decente. Durante as chuvas não havia mais a preocupação com goteiras, molhando as roupas e os móveis dentro de casa. Não havia frestas para o frio penetrar e dava para manter a limpeza constante da casa.
Aos poucos fomos comprando móveis e utensílios domésticos novos. Com sua aposentadoria em mãos, a mãe passou a fazer compras de mantimentos, no mercado. Fiquei feliz em vê-la colocando víveres dentro do carrinho, no supermercado. Ela comprava produtos bons e passamos a comer com decência. As coisas estavam mudando, para melhor.
O pai depois que se aposentou do seu bar, decidiu vender o ponto e alugar o salão. Vi várias pessoas com as quais o pai negociou ludibria-lo. E eu não podia falar nada, não podia nem alertá-lo, pois ele virava um bicho comigo. Com a mãe e os outros filhos ele mantinha relações cordiais. Não voltou a morar em casa conosco, e dizia em alto e bom som que era por minha causa. Era eu que ele supostamente, não gostava.
Eu não sabia o que fazer, naquela situação. Não sabia se ia até o pai conversar ou se deixava como estava. Orgulhoso, muitas vezes meu pai passou por mim e me ignorou. Eu o percebia cada vez mais envelhecido, com os cabelos mais brancos. Hoje, sei que deveria ter forçado uma maior aproximação.
Meu pai, homem soberbo, nunca entrou na casa nova que construí. Para ele era demais frequentar ou habitar a casa construída pelo filho, que tanto o criticara. Talvez, na cabeça dele, não sei, eu fora petulante demais. Mas eu disse que era possível morarmos bem, e provei isso. E aproveitando grande parte dos materiais de construção desperdiçados pelo pai.
Apesar de não morar na mesma casa, a mãe e o pai estavam sempre juntos. Passeavam nos fins de semana e saiam sempre. Tive a impressão que o relacionamento dos dois mudou, para melhor. Meus irmãos também estavam sempre, com ele. Somente eu não podia me aproximar. Eu me tornara a ovelha negra, o filho que ousou desafiá-lo.
Entrei depois de muito estudar, de ralar mesmo, na universidade. Preocupado com os estudos, com o trabalho, com a mãe, o namoro e também sendo um tanto quanto soberbo, não me preocupei mais com o pai. Errei nisso, hoje sei. Quando o via, este nem olhava para mim. Lembro-me que um dia, após vê-lo na rua, achei-o muito envelhecido. Senti um aperto no coração, mas me contive, e acabei esquecendo.
O pai não parava de trabalhar. Quando isso acontecia, era porque estava doente. E apesar de tudo, lá no fundo, eu me preocupava muito com ele. Mas como ajuda-lo, se ele não me deixava aproximar? E eu não insistia.
Uma lembrança me vêm sempre à mente. Quando eu tinha entre 8 a 10 anos, fiz uma traquinagem. O pai me pegou pelos braços, e implorei para não apanhar. No entanto, levei uma baita surra. Ficaram marcas. Não me lembro do pai me acariciando, ou me falando palavras encorajadoras, ou me dando força. Em contrapartida, também não me lembro de ter falado “eu te amo”, ao pai. Embora tenha sentido vontade de dizer-lhe várias vezes.
(continua)