Acaricia mi ensueño





Olhar deslumbrado de menina ainda virgem, mas que brilhou e como, ao contemplar aquelas mãos - Pura Sedução. Hábeis, elas lhe remeteram, ao que seria, na imaginação dela, um verdadeiro amante ardoroso. Aquele que sabe tão bem conduzir o corpo de uma mulher. Por uns segundos, ela sentiu a música morder seus lábios até sangrar. Abaixou a cabeça, checou suas unhas desapontada e jurou em silêncio - Nunca mais vou roe-las. Quis te-las compridas para arranhar as costas dele. Quis ser mulher, uma adulta com uma silhueta bem delineada a media luz, e não aquela garota magricela com aparelho nos dentes. Imaginou seu corpo arqueando nas mãos dele, até ser puxada de volta de forma arrebatadora, bem perto do seu rosto, tão perto, que a lágrima dela cai delicadamente em sua boca. A sensação da profunda intimidade selada entre dois amantes foi de arrepiar e então, ela se recompõe enrubescida. Olha em volta como se todos pudessem ler seus pensamentos, mas a platéia mantém os olhos fixos naquele homem. No palco, apenas um canhão de luz. Todo resto é negro. Sua camisa, traço inconfundível, também é negra. Ele segue tocando. Seu rosto tem aquela gravidade latina de quem trava um embate entre a dor e o prazer e a grande vitória é fundir os dois num só momento. O instrumento, seu bandoneon. El matador e sua potente munição, capaz de arrebatar mil corações numa só rajada de notas. Paixão à queima roupa até o último tango e então, uma mulher entra em cena. Ela declama um poema estranho e delirante que fala de uma tal... ternura de locos num frenesi de cores alucinado. Sentimento que mal cabe em palavras, palavras que se entrecruzam, como as pernas dos bailarinos na música: Balada para un loco. A garota suspira fascinada com cada verso. Puberdade entre afetos confusos que brigam com um turbilhão de hormônios. Nada como ver alguém colocar em palavras de forma impecável, uma sensação dentro dela, estranha, por vezes extasiante e que agora, se traduz mágica : Então é isso, ou melhor, tudo isso - ela pensou - Uma ternura de loucos !

Eu tinha quatorze anos quando meus pais levaram-me para assistir a esse mui precioso maestro, Astor Piazzolla. Agradeço imensamente a eles por tão feliz idéia. Hoje, vuelvo a Piazzolla, como se vuelve siempre al amor, mais madura, é verdade ( já não rôo as unhas) mas não menos apaixonada. Ao ouvi-lo, ainda posso sentir sua música morder meus lábios e rogo em silêncio: Acaricia mi ensueño. Quinze anos sem Piazzolla, mas outros continuam executando seu tango transgressor e único completamente enamorados. Essa tarde, escutando sua divina composição: "Libertango" por um dos mais virtuosos músicos, no momento, não pude deixar de escrever essa pequena crônica em sua homenagem. Acho que para terminá-la, só mesmo compartilhando com o leitor esse inefável deleite.
O vídeo: "The Tango Lesson”. A música: Libertango de Piazzolla por:
Yo Yo Ma.     http://www.youtube.com/watch?v=WpEpS1FX5ic