Ces't la vie
Entro à esquerda vagarosamente. Fico chateada porque o tráfego de pessoas na rua é mais intenso e isso impede que eu vá mais rápido. Estou a 30 km/h. Isso me irrita. Mais a frente, entendo a movimentação: uma multidão de curiosos entra e sai de um pequena casa na esquina da Rua do Pensamento, onde velam o corpo de um ente querido. Alguns rostos inchados, vermelhos do choro e do sofrimento. Outros rostos curiosos, sempre à espreita, tentando obter qualquer tipo de informação. Reflito um pouco sobre aquilo. A morte sempre causa essa reflexão nas pessoas. A única certeza que temos na vida e para qual não estamos preparados. Uma espécie de arrependimento pela chateação egoísta toma conta de mim. Ganho velocidade e sigo em frente. No rádio, uma música animada me contagia e esqueço o acontecido.
Dez quarteirões passaram e nem percebi. Entro à direita, na rua da minha casa. A cena e a música se misturam na minha cabeça e quase não vejo as crianças na minha frente correndo pela rua. Freio o carro rapidamente, olho para o lado. Vários balões enfeitam o portão de entrada da casa de minha vizinha. Um ano de vida da pequena Isabela. Tudo muito lindo e muito rosa. Rostos alegres, crianças correndo, pais conversando e bebendo. Todos felizes e completamente alheios ao mundo externo, à crise, à fome, à corrupção, à morte. Ali, celabra-se apenas a vida.
Um leve sorriso surge em meio rosto. De alegria, pela criança; de admiração, pela grande ironia que é a vida.