ou: tentando ler um poema de Alexandre o'Neil


“ Meto butes à inteira planura
Esboroa-se a terra...”
- Que diabo é butes, cara? Pulo o verso. Quem sabe, mais pra frente, no contexto... 
Todavia, “esboroa-se a terra”. Pulo o início do segundo e insisto. Mas, aí, “lá pra trás sobraram o paleio e a literatura”... Paleio, paleio... Três diabos são agora. O butes esboroa o paleio e o olhar já corre lá pelo décimo, décimo primeiro. De repente, quem sabe, um estalo e a coisa anda. Três diabos a gente enfrenta com dicionário na mão, se for preciso voltar. Porém, onde pouso o olhar: “Uma guerra haverá, como o álibi da paisagem que a outras me transporta”. 
- Guerra haverá, certamente, entre um olho que permanece e outro que já prepara a deserção... Que saco! Tinha que haver um butes logo no primeiro verso? Tá, abro uma aba... tem um butes mas é com maiúscula, um tal de Butes de Atenas, argonauta. Não pode ser este. Ninguém “mete” uma pessoa, mesmo que seja mera personagem. Seguro a laço o desejo quase incontido de saber quem foi o Butes de Atenas, lá da Wikipedia. Volto e já vou direto pro final. Quase sempre os dois versos finais resumem o enredo todo. – Vamos tentar:
“Hei-de voltar pra ler e presumir, quando Alentejo se puser a rir” – termina o poeta, com reticências. – E, quando, a única coisa que você entende é justamente o “hei-de voltar pra ler e presumir” e as reticências? 
- Sim, hei-de voltar pra ler, em outra hora, com mais paciência. Mas, e o danado do butes? Acha que vou conseguir dormir sem matar pelo menos este diabinho, senhor O’Neil?

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(O poema, caso alguém se atreva):

 
Pelo Alto Alentejo-2
 
Meto butes á inteira planura.
Esboroa-se a terra.Lá pra trás,
sobraram o paleio e a literatura.
Aqui,na aparência,só a paz.

Mas que paz se desdobra a toda a anchura
do horizonte a que o olhar se faz?
Esta página em branco(ou sem leitura)
não terá uma chave por detrás?

Eu sei ler a cidade,mas,aqui,
sou um dedo parado em letra morta.
Uma guerra haverá,como o alibi
da paisagem que a outras me transporta.

Hei-de voltar pra ler e presumir,
quando Alentejo se puser a rir ...

  -  Alexandre O'Neil -
in:Entre a Cortina e a Vidraça(1972)