PRA NÃO DIZER QUE EU NÃO FALEI DE ESTRELAS
Revendo meus rabiscos.
Texto escrito em 15/05/2010
O portão de ferro fecha-se atrás de mim num ruído estridente e eu ganho a rua.
São quase dezoito horas de um sábado temperado ao friozinho de maio.
Outono no Sul.Dias mais curtos... Encolho-me ao abraço cinzento de um céu borrado de melancolia.
Cruzo o pequeno trecho da rodovia costumeiramente movimentada,adormecida agora em intrigante pasmaceira.Pela vizinhança,a quietude reinante provoca a sensação de um quase abandono de gente retida entre paredes.
Sigo.Calado na voz,falante em pensamentos.Vejo-me um aldeão! De sonhos,de idéias,de imagens...Nesta aldeia por vezes solitária e bucólica da minha existência.
Um pequeno trecho de rua sufoca debaixo das pedras que hoje lhe revestem,ecos embaçados de algumas alegrias teimosas a desafiar o tempo.
Dona Vica,pensativa,alisa a cabeça do vira latas vadio.Nos olhares de ambos passeia a busca entre os rabiscos do fim do dia, por azulados céus dormentes nas lembranças de alguma tarde distante.Ela me sorri e, sob a lente dos óculos,tento adivinhar a dimensão de seus devaneios que rastejam numa indisfarçável ansiedade instalada entre as divisas do muro desbotado que lhe separa da rua.
Do outro lado,o jóvem esguio da casa da esquina,caminha com desenvoltura sobre o telhado reparando falhas entre uma telha e outra.Transparece em sua face a imagem de um super herói a observar do alto os traços do dia que agoniza.
Remete-me às lembranças da macieira inclinada pelo vento no quintal de minha infância.
Uma espécie de refúgio onde a minha solidão de menino fazia a travessia :tarde - noite.
Aquêle estranho aperto no peito e um travo de angústia que eu nunca soube muito bem como explicar.
Adiante,o polaquinho entabula uma negociação de vassouras de piaçaba.Cliente e vendedor,agachados à beira de um caminhão,selam o pacto diante de chaleira e cuia de chimarrão.
Açenam-me amistosamente. Costumes interioranos.Respondo-lhes e prossigo na caminhada.
A estradinha de mato desenha-se agora à minha frente em linhas paralelas ,de cores variáveis.O vermelho e o moreno da terra deslizam em suave entre perfis de hastes já enegreçidas pelo manto da noite.
Cantam os galos do senhor "Pedroso"! Acomodam-se nas laranjeiras.O riacho desliza a sua mudez sob o pontilhão de madeira e do outro lado,há luzes no "bangalô de Helena".Voltou a ser habitado.Há vidas pulsando entre as paredes!A lâmpada na varanda,escorre em pálido reflexo no espelho d´agua do açude.Uma revoada barulhenta de quero-queros marca o sinal de protesto contra o espaço que o PAC do senhor Luiz Inácio lhes roubou.Esganiçam um desagravo sobre os esqueletos das centenas de edificações populares erguidas num balé de concreto sobre a coxilha que por direito sempre lhes pertencera.
E meus passos vão devorando a estradinha de mato...Entra-me pelas narinas o cheiro esmaecido da tarde.Meus ouvidos acolhem ,de um vinil,a voz do padre Zézinho em louvores na torre da capela.O coaxar desolado de uma rã sugere-me um pedido de ajuda.Lembra-me uma criança indefesa,abandonada,à beira do caminho.De resto, apenas silêncio. A magia e mistério da ponte que se faz entre a tarde que morre e a noite que nasce.
Retornarei com as estrelas.Atino com meus botões.
Não há estrelas.O céu é sublinhado de carrancas e estas amedrontam o que ainda resta-me de um coração menino.
Chego em casa.O ruído sêco do portão de ferro abre-se num abraço de boas vindas e no céu,entre arabescos de núvens pesadas,cintila uma estrela.
Acolho aquêle pontinho luminoso com a euforia de garoto que descobre
uma fruta temporã no abandono de quintais.
Sinto-me recompensado...E ainda que seja apenas uma,terá sido o suficiente “pra não dizer que eu não falei de estrelas".
Joel Gomes Teixeira