Armações de Armindo

Armando, o Armindo estava sempre: era um irrefreável escritor, além de Embaixador. E foi o chefe que tive por mais dilatado tempo, mais de três anos na ora plácida, hora ácida, e mais comumente glácida, Embaixada em Varsóvia. De 82 a 85.

Armindo vinha da Missão em Kingston, Jamaica, onde havia passado mais anos, quiçá, do que esperava. Como compensação quae sera tamen aos seus rogos, a direção prometeu-lhe algo maior. Uma potência, que sua excelentíssima esposa chegara até a confidenciar a amigas, antes de a promessa se concretizar, que o marido, daquela vez, grande potência iria pegar. E era a China, então, o objeto da cobiça do casal ambassadorial. E deu Polônia. Potência média, nada obstante. E ainda vizinha doutra, mais importante.

Armindo já trazia em sua bagagem literária poemas compostos originalmente na língua de Shakespeare, que muito admirava e que como um par seu se considerava. De dois títulos pelo menos eu me lembro, pois li com afinco, sem contudo haver-lhes entendido o inteiro conteúdo: Elegies of Lesser Sierras, e The Shadows Within. Mas havia mais, produções então atuais, e de mais tempos atrás. Uma delas de interessante e intrigante interesse antropológico, relativa a rituais de magia afro no Haiti, por onde passara, também à testa da Embaixada em Port-au-Prince, ainda antes de ir para a terra do reggae e do rum. A obra era o resultado da amalgamação de talentos do autor, escritor, com sua consorte, ilustradora - e grande incentivadora.

Uma das mais apreciadas virtudes de Armindo era a sua disposição didática: passar suas observações, sua experiência e sapiência para a sua entourage. E eram quase regulares os despachos conjuntos que promovia, ensinando, pontificando e doutrinando e sobretudo estimulando os seus atentos assessores. E com isso, a produção de informes, telegramas e relatórios sobre a vida política, econômica, financeira, cultural, etcétara e tal na Polônia multiplicava-se, e lhe permitia, garbosamente, jactar-se de ter uma das séries de telegramas mais alentadas entre as missões brasileiras no leste europeu.

A prioritária atenção ao trabalho não impedia, ao contrário, impulsionava, a produção literária, natural corolária. E permitia até mesmo a conjugação e convergência das vertentes. E a cada dia, para a surpresa e o gáudio de seus pupilos, surgia, da pena armíndica, uma nova palavra, uma nova expressão que, forçosamente, se instalava no bojo dalgum informe oficial.

Assim, vi vicejarem termos como escarmentar, a socapa, a sorrelfa, espadanar, que se, mais de trinta anos decorridos da vida varsoviana, não incluí ainda em algum textículo meu, continuo na esperança de o fazer para homenagear o bardo que tanto nos incentivou a carregar o fardo, que galhardo, carregou.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 19/03/2016
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