À faca ou à bala
À faca ou à bala
O ano era 1947 e a família ‘portuguesa com certeza’ morava na Maria da Graça, subúrbio perto do Cachambi. Fazia muito calor naquelas bandas e nos corações de meus futuros pais Clovis e Luzia a temperatura estava quente também.
Meus avós eram gente simples no Bairro;
Meu avô Vera Cruz era torneiro mecânico da GE e vovó Luzia lavava roupas prá fora. Lavou muito terno branco para pagar estudo dos filhos no Colégio Piedade.
Eles tinham uma moral rígida e, portanto, nunca admitiriam qualquer tipo da chamada 'indecência', imoralidade ou desonra.
Surgiu uma oportunidade dos meus pais irem ao cinema. Teriam que levar a tia Lúcia, irmã mais nova da minha mãe, para manterem as aparências. Ninguém poderia saber que o meu pai foi junto, nem tampouco que as duas jovens sairiam de casa ao anoitecer.
Tudo corria bem até que uma ‘patrícia’, vizinha da mesma rua, querendo ver o circo pegar fogo, foi até a casa da vovó, entregar a aventura das meninas. Vovó começou a xingar e berrar daquele jeito que ninguém era capaz de decifrar a não ser os 'ora pois, pois!'. Foi tropeçando até o cinema, com a roupa que estava e o par de tamancos.
O porteiro do cinema não a deixou entrar, pois era proibido entrar de tamancos. Enquanto isso o lanterninha, solidário, percebendo a tragédia iminente, indicou a saída para as meninas retirarem-se sem causar tumulto.
Enquanto isso a tal vizinha emprestava seus próprios calçados para a vovó conseguir entrar e a tragédia acontecer.
As meninas chegaram e enfiaram-se nas cobertas com roupa e tudo.
A vovó chegou bufando palavrões diversos e, ao constatar que elas já estavam na cama, soltou a pérola “Só não mato porque não sei se uso a faca ou dou um tiro”.
Já estava saindo quando escutou aquela voz suplicante debaixo do cobertor de minha tia “Eu prefiro faca, por favor, de faca!”.
Marise Cardoso Lomba