SITUAÇÃO POLÍTICA ATUAL. RESPOSTA AO BERNARD GONTIER.
Meu caro amigo Bernard, que me pede uma fala sobre o que se passa. O que aconteceu e o que poderá acontecer em 48 horas, antes e depois. Nada visto antes com essa grandeza em seguimento ininterrupto, muito menos as tratativas não muito republicanas, como gostam de dizer, que vieram à publicidade. E trazem consequências, têm trazido, e trarão, estão em movimento.
Não vou abordar questões jurídicas, fórum impróprio e longo de discutir. A “majoranza”, como diz o italiano em debates político-jurídicos, maioria, dá o tom.
O direito existe para realizar-se, destacava o grande romanista Ihering, e nada mais forte em termos de realização do que a vontade popular, e ela tem muitas faces. Estamos diante de uma delas, e a Constituição dá caminhos. Não em vão o direito natural inspira o direito cogente. Verdadeiro fundar a afirmação ainda que subjetiva no adágio “a voz do povo é a voz de Deus”.
Gostaria da utopia, como abaixo transcrevo e você já conhece, realizada, mas é onírico. Nunca é demais repetir até enfarar, um ideal supremo longe de paixões e de partidos que configuram uma só ideia. É uma síntese perfeita de organicidade social.
“Os antigos que desejavam dar exemplo da virtude ilustre em seu reino, começaram por bem ordenar seus próprios Estados. Desejando ordenar bem seus Estados ordenaram primeiro suas famílias. Desejando ordenar suas famílias, cultivaram antes suas pessoas. Desejando cultivar suas pessoas, corrigiram seus corações. Desejando corrigir seus corações, primeiro trataram de ser sinceros em seus pensamentos. Desejando ser sinceros em seus pensamentos, primeiro ampliaram ao máximo o seu conhecimento. Sendo completo seu conhecimento, seus pensamentos foram sinceros. Sinceros que foram seus pensamentos, seus corações corrigiram-se. Corrigidos seus corações, suas pessoas foram cultivadas. Cultivadas que foram suas pessoas, ordenaram-se-lhes as famílias. Ordenadas suas famílias, foram justamente ordenados seus Estados.” Confúcio.
Ordenar os Estados, difícil propósito, mas não é difícil sonhar longe da “detenção da verdade”, que é de um ou de outro, segundo necessidades e crenças.
O que ocorreu me impressionou, e o que vai ocorrendo me espanta. Nada vi com tal envergadura e tamanha expressão politizada, sem selos, por adesão espontânea, voluntária e emocional, de tudo desvinculado e pretendendo expurgar o que a justiça apurou e apura, os procedimentos já ultimados, com condenações múltiplas e réus confessos tirando o véu do público envolvido com o privado que trouxe a atual situação econômica.
O que vai acontecer? Todos estão vendo. Um desfecho mais rápido do que o tradicional.
Não se contém as tsunamis, essas ondas têm um movimento inicial provocado pela natureza. Nada mais natural que a voz das ruas com tal expressividade. É o que se vê. A força criada, energia, ninguém pode deter, é natural. Resta indivisa e emocional, centrada em muitas gerações, desde crianças nos ombros dos pais até idosos vestidos de verde e amarelo.
É assim esta força popular que está nas ruas, nela se assentou uma convicção temporânea estruturada nos fatos, fenômenos políticos, nela se soma e cresce geometricamente, acampada nas ruas como os batalhões que perseguem ideais e propósitos. Sua naturalidade é voluntária, diversa de vínculos organizacionais vindos de sindicatos e com estrutura administrada, outro tipo de naturalidade, com raízes fora da voluntariedade, movida por vontades sociais restritas e nominais, e congregadas em permanência da vontade instalada, que se subvencionadas com transparência também podem ser legítimas. Fica mais fácil simplificar dizendo, no momento são forças partidarizadas com especificidade no sindicalismo e necessidades fundamentais. Por isso ouvi os gritos em passeatas contra o governo: "Eu vim de graça!".
"Cada vez sabemos menos", ensinava Norberto Bobbio, máximo jurisfilósofo italiano, que morreu nonagenário com mais de duzentas obras e produzindo próximo à morte. A ética é apontada pelo intelectual italiano como um requisito indispensável para uma saudável relação entre a moral e a política.
A ética é um ramo da filosofia que estuda a natureza do que se considera ser o bem, adequado e moralmente correto. Em entrevista em 2000, ao jornal italiano "La Repubblica", pontificou: "Quando sinto ter chegado ao fim da vida sem ter encontrado uma resposta às perguntas últimas, a minha inteligência fica humilhada, e eu aceito esta humilhação, aceito-a e não procuro fugir desta humilhação com a fé, por meio de caminhos que não consigo percorrer. Continuo a ser homem, com minha razão limitada e humilhada: sei que não sei. Isso eu chamo de minha religiosidade.”
É assim também a minha, não me dou o direito do sonho.
“Acreditamos saber que existe uma saída, mas não sabemos onde está. Não havendo ninguém do lado de fora que nos possa indicá-la, devemos procurá-la por nós mesmos. O que o labirinto ensina não é onde está a saída, mas quais são os caminhos que não levam a lugar algum.”; aduzia o filósofo.
Os caminhos escolhidos levaram ao que está aí, não há causa sem efeito, as consequências virão, as exíguas horas seguintes ditarão os rumos, depois veremos o que acontecerá. A celeridade nos acontecimentos está visível.
Sou, sem pretensão, como Bobbio, um "nada sei" crente, mais ainda em 48 horas, mas enxergo desde muito o desfecho de tudo isso, e sempre disse, é questão de tempo. E fecho com ele, verbis:
“A democracia nasceu de uma concepção individualista da sociedade, isto é, da concepção para a qual — contrariamente à concepção orgânica, dominante na idade antiga e na idade média, segundo a qual o todo precede as partes — a sociedade, qualquer forma de sociedade, e especialmente a sociedade política, é um produto artificial da vontade dos indivíduos (Bobbio, 2006b, p. 34).”
Democracia é ficção, artificialidade, não há representação do todo, mas da maioria, nisto a artificialidade a que nos remete Bobbio.
E A VONTADE DOS INDIVÍDUOS, ESPONTANEAMENTE, ARTIFICIAL OU NÃO, DEMOCRATICAMENTE, ESTÁ RUAS, MAJORITARIAMENTE. UMA PARTE.