Folhetim - Três Noites de Paixão - II

Empolgada com o primeiro esboço do trabalho, ela mostrou o resultado ao padre, afirmando:

- Padre, é simplesmente incrível que esse homenzinho de 1,59 m de altura, pobre de Jo, tenha aprendido sozinho latim, francês, italiano, espanhol, eslavo e esperanto. Ele escrveu os seguintes livros: "A Corte de Proença" e "O Mosteiro de Nimes", ambientados na França, na corte de Luiz XIV, pasme, sem nunca ter ido ao estrangeiro. E mais: "O Inconfidente", roamnce histórico; "Eulâmpio Corvo", também histórico. "O Cadete Bonfiácio", romance de costumes. e "Ferro em Brasa", este um romance na linha da crítica social. Escreveu também livros de ensaios como "Coração e Cérebro", um de poesia, "Epicombos" e, como se não bastasse, projetou um "Dicionário Biográfico Universal", tendo publicado o primeiro volume com 694 páginas atpé a letra E. . Todos os livros são extraordinários. Veja essa anotação que fiz acerca de "Coração e Cérebro": em 1911 ele questionava o livre arbítrio, o divórcio, o sorteio militar, o duelo, o infanticídio, o positivismo, a liberdade profissional, a pena de morte, a responsabilidade moral, o direito de propriedade, a liberdade de imprensa e de pensamento, a comunidade religiosa, a emancipção da mulher, o espiiritismo, o povoamento do solo, o pátrio poder e o amor.

- É mesmo incrível, professora - comentou o padre -, que um baixinho pobre, com o agravante de ser ateu, vivendo numa cidade onde o catolicismo era fortíssimo e o conservadorismo tremendo, contestasse a ordem establecida. Era um cabra admirável.

- E como contestava, padre!, ouça este trecho de um artigo dele: "Bem estudada a causa da riqueza desmedida e penúria excessia, conclui-se que entre os dois estados preponderou a voracidade do mais forte. Se o mundo é um banquete para o repasto detodos os seus habitantes, comose justifica que, na espécie humana, uns possuam léguas e mais léguas de terreno inculto e muitos outros não encontrem uma pedra para repousar a cabeça?".

- Se ele dissesse isso hoje, nestes anos 50, seria imediatamente fichado como comunista; avalie,minha cara,naquele tempo!, eu não sei como não mandaram o baixinho para a fogueira.

- Há mais, padre, veja que ousadia para a éoica, até para hoje: "Se o pensamento estivesse sujeito à disciplina dos senhores do mundo, o progresso teria ficado morto à passagem dos vitoriosos. Sem a liberdade da palavra - o verdadeiro intérprete do pensamento -, a história do mundo seria bem diferente, apenas compendiada em panagéricos à classe sacerdotal e às famílias priciopescas".

- Se os nossos esquerdistas ouvissem isso iriam ficar com inveja.

- Às vezes ele ficava amargo: "Paupérrimo nasci,criei-me indigente... E tenho vivido sem as blandpícias da fortuna, que nem uma vez se ap´roximou de mim". Um dos filhos dele, Anísio Galvão, foi também grande intelectual. Deixou um livro de crônicas muito bonito. Na epígrafe da minha monografia vou colocar uma frase dele: "A minha terra tem, no caminho da estação, uma casa azul para onde nos mudamos e onde havia máquinas de impressão, das quais saíam luz para o povo e amargor para nós". Bonito, não é?

O padre vibrando com o fascínio quase obsessivo da professora pelo autor, sua excitação a tornava ainda mais bonita e desejável, exclamou:

- Professora, tenho certeza que o seu trabalho vai ser aprovado, vai obter nota máxima com louvor.

- Obrigado, padre, mas reze porque...

Ele a interrompeurindo:

- Rezar não posso, professora, Zeferino poderia nçao gostar, ele era ateu.

- Não, padre, o senhor está enganado, no fim da vida ele deixou um verbete para a a enciclopédia, sobre si próprio, dizendo-se deista.

- Continua -

P.S. Agradeço a quem estiver acompnhando este folhetim, uma aberração no tempo da internet. Sou um véio caduco.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 17/03/2016
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