Era uma vez

Recentemente, enquanto estava na fila do mercadinho do meu bairro, ouvi duas pessoas conversando sobre o apaixonar-se, sobre a possibilidade de haver amor à primeira vista e se essa coisa de "metade da laranja" realmente existe... E eu fiquei com isso na cabeça.

Sinceramente, eu não acredito em amor à primeira vista. Acredito em interesse à primeira vista... paixão, talvez. Você se interessa pelos olhos, ou seja lá o que você repara no outro. Você se interessa em desvendar aquele intrigante mistério que está bem na sua frente, e à medida que o desvenda, vê que as manias ridículas que você tem, batem com as estranhezas dele, e aí, em meio aos títulos de livros trocados e discussões, filosóficas demais, em meio à teses sobre como foi o dia, você se apaixona. Aí acabou o mundo. Acabou tudo aquilo que você conhecia, e um mundo novo passa a ser seu. Porque se apaixonar é isso... é, literalmente, perder o sono. Ou querer tanto a presença de alguém que vai dormir olhando pra foto da pessoa. É doentio, mas é lindo. Talvez seja um dos contrastes mais bonitos da vida.

E então o outro estranho também se apaixona... AH! Agora a vida é realmente bela! E ela é feita de borboletas no estômago (ou frio na barriga, chame como preferir)... "que roupa usar no primeiro encontro?", "será que?", "e se?", "ai meu Deus do céu, preciso pensar em alguma outra coisa!". A mão, envolta de um estúpido suor gelado. A boca, seca. E o medo de tropeçar e cair "de boca" no chão, na frente da pessoa. Até que o primeiro encontro passa. E o segundo, o terceiro, o quarto, o quinto... e em meio à quarte de milhão de mensagens, o sexto, e agora você sabe que ele é viciado em filmes e ele sabe que você é uma chata de galochas. Mas ele acha lindo. E você adora as dicas dele. Chega o sétimo e "senti tua falta". Chegam no vigésimo com a mesma ansiedade do primeiro. Completam dois anos querendo completar cinquenta. A paixão é urgente.

Não me pergunte quando vira amor. Há casos em que a paixão se torna amor quando o casal passa por uma situação difícil, e então descobrem que se amam. Há casos em que o outro precisa ir embora, para que se descubra a dor pungente do amor. Há casos em que simplesmente se sabe que aquela pessoa é pro resto da vida.

E há casos em que já era amor antes mesmo de ser. E para todos os casos, a mesma sentença: é aí que a gente entende o motivo de tantos contos românticos antigos começarem com "era uma vez"... Acontece que depois de os olhos certos se cruzarem, realmente "era uma vez". Era uma vez em que o seu coração estava vazio, e aquele olhar certeiro foi poderoso o suficiente para reaquecer a sua alma. Era uma vez, você pensava ser forte o suficiente, era apaixonado por suas noites de sono, e agora tua paixão tem nome e sobrenome, e suas noites de sono... bem, talvez você até consiga dormir, mas são os sonhos que te atormentam. Ou não. Sonhar com quem a gente ama faz um bem danado e aniquila qualquer possível estado crítico de azedume.

E tem também a saudade... Sabe, as pessoas vivem de dizer que a saudade é bonita... é nada, e quem vive de saudade vai até dizer "me poupem dessa hipocrisia"! Saudade é bonita em poesia e só. Ela é bonita na primeira semana, mas depois de se passarem vinte dias, você vai perceber que a saudade é um incômodo. E depois de se passarem 345 dias - sim, há mais casais separados pelas circunstâncias ao redor do mundo, do que eu gostaria de contar à você, leitor-, a saudade se torna loucura, e então, no meio da manhã, quando estiver sozinho, vai se pegar recordando os abraços, os olhares e o perfume, com os olhos cheios de lágrimas.

A metade da laranja existe, sim. E a gente não a encontra apenas quando aprende a ser feliz sozinho, como dizem algumas teorias. Talvez você encontre o amor da sua vida quando o seu mundo tiver acabado de desabar, e você estiver precisando de um bom motivo pra sorrir. Talvez você o encontre quando estiver com o coração machucado por outra pessoa, ainda com os espinhos que te tiram o fôlego, e esteja precisando de alguém pra te ajudar a se curar. Em suma, não tem hora para que o amor chegue, não. Não se prenda ao "quando". Só saiba que a metade da laranja chega. E quando você a encontrar, vai sair por aí cantando "meu bem, você, pra mim, é privilégio. Sorte grande de uma vez na vida". Quando você encontrar, vai entender que "era uma vez".

Era uma vez a minha incompletude. Era uma vez a minha alma que dançava sozinha. Era uma vez o meu voar desacompanhado. Era uma vez em que nestes jardins já não nasciam flores. Ele chegou com o sorriso aberto e os olhos castanho-risonhos. E ah... Graças aos céus, "era uma vez".

Débora Cervelatti Oliveira
Enviado por Débora Cervelatti Oliveira em 15/03/2016
Código do texto: T5574922
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