O ovo de papai

Já se tornou costumeiro entre nós o regalo de ovos de Páscoa. Não chega a ser coisa antiga mas se expandiu duma forma que hoje é mais corriqueiro derreter-se pelos ovinhos, que nos põem a salivar, do que pelo sacrifício de Cristo, que apenas queria nos salvar.

E além dos ovos, evolui-se para o coelho que é mais graúdo, orelhudo e mais do agrado da criançada que de tanto bullying do sistema escolar vive, coitada, estressada. E o coelho vai assim se sobrepondo ao cordeiro pascal que ao invés do irresistível chocolate do qual toda a gurizada é fã, não dá mais que lã. Fosse ao menos hortelã...

E foi bem antes da introdução dessas doces guloseimas que papai viveu sua infância no remoto povoado de São Gonçalo do Brumado. De Pitangui, distrito operário, uma légua afastado.

Com os filhos mais velhos empregando-se na fábrica e garantindo o seu ordenado mensal, Velusiano e Ana, o Velu e Inhana, puderam ter alimentar perspectiva de uma vida menos árida e dificultosa do que os tempos atravessados na Onça, onde a profissão de seleiro, cada vez como menos cavaleiro já não permitia ver senão a cor do dinheiro, distante até o próprio cheiro.

E, inobstante a melhoria substantiva da situação lavoratícia e financeira da família, muita restrição ainda havia. Dívidas passadas, antigas, a serem liquidadas, o declínio da saúde do velho Velu, 32 anos mais velho que a consorte, ninguém podia se entregar à farra impunemente. Tudo era pesado, medido e contado.

E foi numa dessa quadra de dificuldades generalizadas que papai, ainda guri, em um de seus aniversários que já adentravam a casa dos dois dígitos, recebeu o mais lembrado presente de sua mãe, vovó Inhana:

um ovo de galinha.

Foi tamanha a alegria do guri que, décadas depois, narrando a ocorrência, já não se lembrava mais onde metera o signficiativo dom:

na frigideira, no armário, sob uma galinha chocadeira, ou nalguma algibeira. O certo é que por amos a fio, sem fios de ovos no desvario, Luiz se refestelou com seu presentinho inabitual de aniversário, casca, clara e gema. Tava resolvido seu problema. Sem chocar.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 15/03/2016
Código do texto: T5574620
Classificação de conteúdo: seguro