Relato de um mero observador das manifestações do dia 13
Ontem, domingo (13 de março), fui ao Teatro Guaíra, aqui em Curitiba, assistir a uma apresentação da abertura da temporada 2016 da Orquestra Sinfônica do Paraná sob a regência de seu mais novo maestro, o alemão Stefan Geiger. Com uma programação variada, pude apreciar óperas famosas de Carlos Gomes, Richard Strauss, Heitor Villa-Lobos e Alberto Ginastera, diga-se de passagem, pagando apenas o valor de uma meia entrada = R$ 10,00.
Um programa de domingo de manhã valioso na minha ótica, onde foi possível atestar um verdadeiro diálogo da música erudita feita nas terras tupiniquins de outrora com outros mestres do romantismo alemão e do clássico argentino. De vez em quando, ficar quieto e sentado, só ouvindo o som de instrumentos riscando o ar em movimentos sincronizados, de modo que a cadência e o ritmo da melodia desenhe imagens na mente do receptor faz bem, tanto à saúde, como à alma.
Quando acabou, ao sair do Teatro, me deparei com o início da manifestação pró impeachment da Presidente Dilma Rousseff com sua concentração na Praça Santos Andrade, um dos cartões postais de Curitiba, onde ficam, além do Teatro Guaíra, também o prédio histórico da Universidade Federal do Paraná com suas imponentes colunas gregas, ou romanas. Enfim, não sei ao certo, mas dizem que foram inspiradas no estilo neoclássico.
Confesso que refleti sobre a imagem que me arrebatava, quando, na oportunidade, presenciei ambulantes vendendo camisas da seleção brasileira, chapéus engraçados nas cores verde e amarelo, apitos, vuvuzelas e outras quinquilharias, que comumente estão mais associadas ao comércio do futebol, sobretudo em época de Copa do Mundo, mas que agora estavam à serviço de pessoas e famílias insatisfeitas com o atual governo, ou com a sua ideologia política. Andando um pouco mais, quase bem em frente às tais colunas do prédio da UFPR, me deparei com mais outra imagem que se destacou, desta vez pela sua declarada manifestação xenofóbica e bairrista, com seus dizeres: “Chega de Brasília. O sul é o meu país”, além das cores em azul e branco. Ou seja, extinguindo-se o verde e amarelo, que até então era predominante. Continuei a minha caminhada rumo a um lugar para almoçar. Depois de algumas horas, ainda era possível verificar a movimentação pacífica de famílias andando pelas ruas do centro com as roupas que representavam o seu país, além de uma grande e intensa presença da Polícia Militar, tanto na terra como no céu, pois alguns helicópteros da PM dividiam o ar com os da “preciosa” cobertura midiática.
Quando cheguei em casa, isso por volta das 16h, ainda havia carros passando com pressa pelas ruas, talvez para chegar à concentração central e aproveitar os últimos momentos daquele carnaval fora de época, além de que seus motoristas gentilmente se cumprimentavam com buzinaços. Realmente, caso não soubesse que havia uma manifestação marcada para tal dia em que patriotas fervorosos iriam às principais ruas das capitais do país para demonstrar o seu interesse e desejo de defender a sua tão amada pátria, iria achar que estava acontecendo algum jogo da seleção brasileira de futebol. Um jogo muito importante, quiçá contra a Argentina. Mas, não, não era. Era o tal “povo” brincando de ser brasileiro.
Sim. Brincando sim. Pois os tais protestos, orquestrados há um bom tempo por uma grande parte da mídia e por políticos conservadores e liberais, não originaram-se com o tal povo. Também não vou relembrar a imensa problemática que é definir ou, pelo menos, compreender esta palavra, esta categoria social ou mesmo essa ideia. Na história, desde os registros considerados oficiais até o imaginário criativo, pode-se perceber que ‘povo’ sempre foi uma palavra utilizada para dar sentido a um grupo ou a um coletivo que representasse, grosso modo, a parcela mais autêntica de uma certa população nacional. Contudo, esse mito da identidade patriota serviu apenas para camuflar interesses de classes ou grupos mais interessados em manobrar ideologicamente a unidade, de acordo, claro, com seus interesses econômicos. Isso não tem sido diferente nos dias atuais.
Quando vemos nas ruas as pessoas, diversas famílias e grupos, na maioria oriundos das classes mais abastadas ou pertencentes atualmente a estas, buscarem, através de um desfile pífio de modelos patriotas, deslegitimar o maior ganho da nossa jovem democracia - o sufrágio universal, vulgo voto, é sinal de que as coisas vão muito mal.
Também acredito que não se pode continuar insistindo numa discussão infértil e maniqueísta, de cara ou coroa, como se a nossa resolução para os problemas fosse apenas trocar as peças de lado em tal momento. Os rumos da política necessitam apontar outras novas veredas, mais condizentes com as questões atuais e não ficar apenas trocando a marcha, para ora acelerar, ora frear. A presidente Dilma Rousseff foi eleita com a maioria dos votos nas últimas eleições em dois turnos e está cumprindo o seu mandato, porque conquistou-o legitimamente. Como verdadeiros cidadãos, que acreditam na democracia e respeitam o livre debate de ideias, temos a obrigação de aceitar esta situação, até que algo muito maior prove o contrário, o que ainda não ocorreu. O que há é uma imensa investigação da Polícia Federal envolvendo políticos diversos, inclusive de outros partidos além do PT, sobre os desvios e crimes cometidos com a empresa Petrobrás, que já apresenta resultados e aponta muitos culpados. A corrupção deve ser combatida sempre, a começar dentro de casa, sobretudo. Que sejam punidos os culpados e ponto.
No entanto, não percamos o foco e principalmente a sensatez. O que está se configurando no atual estado da discussão pública é uma onda fascista travestida de patriotismo, que nem tenta mais encobrir ideologias fanáticas e preconceituosas, escancarando o triste desejo de alguns pela perpetuação das explorações humanas e da segregação nossa de cada dia.
Que deixemos as cores da bandeira e as camisas da seleção para os jogos. E que construamos mais, a cada dia, um verdadeiro país, com menos ignorância letrada, menos intolerância, menos preconceito de qualquer ordem e com mais chance para todos. Otimista? Alienado? Sim, talvez eu seja. Mas, prefiro continuar fazendo o meu pouquinho em cada ação cotidiana, ao invés de achar que mudarei um país desfilando na praça principal em domingos pré-agendados. Uma forma de mudar alguma coisa pode ser iniciada olhando para o próprio umbigo e fazendo a velha pergunta: o que estou fazendo, de fato, para mudar o país, a nação, o bairro ou a humanidade?
Ahh! E se estiver tudo bem com a sua consciência, se lembre-se de que estamos em ano eleitoral, por isso, estude, pesquise, pense, debata de forma respeitosa e construa uma opinião à respeito de ideias, para que no domingo da eleição, aí sim, você possa expressar a sua vontade e o desejo mais autêntico de alterar a figura que estará como seu representante político.