Orient arranhado

Quando acordei e olhei pro mostrador do relógio de pulso Seiko automático (tem 40 e tarará anos), estava parado. Dei uma saculejada nele, mas não teve jeito. "Se quebrou-se", como dizia uma antiga assessora doméstica. Vou ter que mandar consertá-lo por um dos últimos relojoeiros da minha região, ele agora vive de vender pilha de relógio, isqueiro, pilha de rádio, correias de relógio e outros brebotes, quase não aparece mais relógio pra consertar, só borar pilha.

Fui logo buscar o reserva que alterna com o Seiko no campodomeu pulso: um Orient todo arranhado (tem mais de dez anos, foi presente de minha filha primogênita, só tenho duas), apertei o botão e ele nem fez aquecimento, começou logo a jogar,apenas acertei o horário pelo rádio, notei que preciso mudar a braceleta que tá se puindo.

Enquanto fazia a substituição fiquei pensando: se todos os relógios marcam a mesma hora, para que se adquirir relógios caros e soofisticados? Para que essa ânsia dos novos-ricos deslumbrados por um Rolex? Que besteira, o Seiko véio e o Orient arranhado fazem a mesma coisa. Acho que é o mesmo de você tomar um gole de cachaça ou de outra bebida num copo de vidro de extrato de tomate ou numa taça de cristal, o gosto é o mesmo.

Sou um sujeito avesso à moda e ao consumismo, a essa bobagem de roupa de marca, por exemplo, só uso bermuda velha, camisa de meia e calço chinelo ou sandália japonesa. Só ando de ônibus, a não ser quando pego carona com familiares e amigos. Nunca tive carro, não sei nem dirigir. Não uso cartão de crédito, não vou a restaurantes, só a botecos. Volto ao carro, se tivesse seria um fusquinha velho. Música só ouço em fita-cassete num som Toshiba, a televisão é antiga, National. Vejam bem, analiso os objetos segundo a sua utilidade e o valor estimativo. Um presente de uma filha ou de um amigo agrega um valor estimativo, um velho chinelo do mesmo jeito. Não troco o meu Seiko velho e meu Orient arranhado por nenhum Rolex. Juro.

Para mim a vida tem que ser simples, descomplicada, alegre, sem muita preocupação com oter mas com o ser. Importante é curtir a natureza, sair por aí sem rumo, olhando as pessoas, árvores, passarinhos, batendo papo, deixando a vida me levar, mas raspando o cororó dela porque o melhor da vida são osbons momentos e para desfrutá-los não é preciso muito dinheiro nao. Gosto da tranquilidadee da paz, mas nao abro mão do meu brio porque um homem sem brio é um homem pela metade.

Bom, agora depois dessa conversa de tapiocamordeu beiju vou acordar o meu neto para digitar esta maltraçada e depois ir para um tal aulão de Física. Depois vou tomar um café a la Elba Ramalho com cuscuz com leite, tapioca, pão fresquinho e manteiga de fazenda, ovos estrelados, um pedacinho de carne de sol e macxeira. Coisa de rico. Pelo meu Orient arranhado são swete e cinquenta e nove. Ia me esquecendo, não vou a nenhuma manifestação, não sou coxinha. Inté.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 13/03/2016
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