Vergonha Alheia
Esta noite sonhei e no sonho eu sentia vergonha. Não estava triste, tampouco indignado. Era vergonha, que só fui decodificando aos poucos, na medida em que o sonho seguia. Primeiro eu vi um homem cabisbaixo, sozinho. Perguntei-lhe se estava triste e ele respondeu que sim, pois todos o abandonaram. Por um tempo fora uma celebridade. Sob aplausos de multidões e dos holofotes fora chamado de o menino pobre que mudou o Brasil. Aos poucos o reconheci, sim, eu me lembro, vossa excelência foi capa de revista, deu entrevista na tevê. Pois é, pra você ver, esqueceram de mim, disse-me. Convenhamos meritíssimo, vossa excelência condenou inocentes. Em seguida o juiz mudou de cor, agora era um branco com cara de mau. Ao contrário do anterior, este estampava um sorriso irônico, no ar, uma certa arrogância. Era o novo herói nacional.Tenho vergonha de sua justiça seletiva, meritíssimo. Por quê investiga uns e não investiga outros? Como uma premonição eu o vi sozinho, abandonado pela casa grande, que o incentivara a seguir denunciando os criminosos da senzala e os desertores da casa grande. Como o outro.
Como todos sabem, os sonhos mudam repentinamente de rumo e eu me vi no meio de uma multidão raivosa, gritando palavras de baixo calão, dirigidas a uma mulher. Como uma câmera, vejo em meu sonho uma bela mansão, cercada de verde e à frente o maravilhoso mar. Quis mergulhar naquelas águas, mas homens, não consegui identificar se eram mesmo humanos, armados, deram um tiro em meu sonho. Mas como nos sonhos tudo é possível, eu me vi diante de um tribunal. Eu seria julgado por ter sido denunciado por uma revista de ter um sítio e um apartamento. Neguei veementemente. Disse que a revista, a televisão e o procurador estavam enganados. Mas o sonho, de novo tomou novo rumo. Eu estava cercado por agentes da polícia política, que queriam me sequestrar. Eu gritei um grito tão forte a minha inocência, mas nenhum juiz me ouviu. Eu senti uma enorme vergonha da justiça. E entendi porque ela, além de cega, era surda. As televisões, as rádios, jornais e revistas estampavam meu rosto, como se eu fosse um monstro. A vergonha aumentava. E aumentaria mais ao saber que o chefe do ministério público estava sentado sobre uma pasta, que continha denúncias e provas de um dependente químico, cujo nome figurava em uma lista, de receber um terço de propina, proveniente de águas sagradas. Minha vergonha só aumentava. E aumentaria mais ainda, ao ver, em sonho, vários corruptos vociferando contra a corrupção.
Acordei de repente sem entender, momentaneamente, a minha vergonha. Depois de refletir, conclui que a minha vergonha era alheia. Fora apenas um sonho, mas a vergonha que senti por estas pessoas continua.
Mas como em sonho tudo é possível, continuo sonhando, mesmo acordado, de que a justiça se voltará, como bumerangue àqueles que a sabotam.
* Esta crônica é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência.
Acesse www.jestanislaufilho.blogspot. com
Esta noite sonhei e no sonho eu sentia vergonha. Não estava triste, tampouco indignado. Era vergonha, que só fui decodificando aos poucos, na medida em que o sonho seguia. Primeiro eu vi um homem cabisbaixo, sozinho. Perguntei-lhe se estava triste e ele respondeu que sim, pois todos o abandonaram. Por um tempo fora uma celebridade. Sob aplausos de multidões e dos holofotes fora chamado de o menino pobre que mudou o Brasil. Aos poucos o reconheci, sim, eu me lembro, vossa excelência foi capa de revista, deu entrevista na tevê. Pois é, pra você ver, esqueceram de mim, disse-me. Convenhamos meritíssimo, vossa excelência condenou inocentes. Em seguida o juiz mudou de cor, agora era um branco com cara de mau. Ao contrário do anterior, este estampava um sorriso irônico, no ar, uma certa arrogância. Era o novo herói nacional.Tenho vergonha de sua justiça seletiva, meritíssimo. Por quê investiga uns e não investiga outros? Como uma premonição eu o vi sozinho, abandonado pela casa grande, que o incentivara a seguir denunciando os criminosos da senzala e os desertores da casa grande. Como o outro.
Como todos sabem, os sonhos mudam repentinamente de rumo e eu me vi no meio de uma multidão raivosa, gritando palavras de baixo calão, dirigidas a uma mulher. Como uma câmera, vejo em meu sonho uma bela mansão, cercada de verde e à frente o maravilhoso mar. Quis mergulhar naquelas águas, mas homens, não consegui identificar se eram mesmo humanos, armados, deram um tiro em meu sonho. Mas como nos sonhos tudo é possível, eu me vi diante de um tribunal. Eu seria julgado por ter sido denunciado por uma revista de ter um sítio e um apartamento. Neguei veementemente. Disse que a revista, a televisão e o procurador estavam enganados. Mas o sonho, de novo tomou novo rumo. Eu estava cercado por agentes da polícia política, que queriam me sequestrar. Eu gritei um grito tão forte a minha inocência, mas nenhum juiz me ouviu. Eu senti uma enorme vergonha da justiça. E entendi porque ela, além de cega, era surda. As televisões, as rádios, jornais e revistas estampavam meu rosto, como se eu fosse um monstro. A vergonha aumentava. E aumentaria mais ao saber que o chefe do ministério público estava sentado sobre uma pasta, que continha denúncias e provas de um dependente químico, cujo nome figurava em uma lista, de receber um terço de propina, proveniente de águas sagradas. Minha vergonha só aumentava. E aumentaria mais ainda, ao ver, em sonho, vários corruptos vociferando contra a corrupção.
Acordei de repente sem entender, momentaneamente, a minha vergonha. Depois de refletir, conclui que a minha vergonha era alheia. Fora apenas um sonho, mas a vergonha que senti por estas pessoas continua.
Mas como em sonho tudo é possível, continuo sonhando, mesmo acordado, de que a justiça se voltará, como bumerangue àqueles que a sabotam.
* Esta crônica é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência.
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