O quão simples você consegue ser?
Eram umas seis horas quando ele acordou, naquela manhã cinza, de um primeiro de março chuvoso. Tinha uns treze anos, mas parecia ter bem mais. Talvez pela forma como pensava, ou pelas coisas que fazia.
Levantou-se, ainda esfregando os olhos cansados, e caminhou até a sala à espera do fatídico momento. Ele iria conhecer os materiais novos que iriam acompanhá-lo ao longo do ano. Já sabia o que esperar. Era um adolescente, mas sua mente adulta o fazia prever que, sendo a situação financeira da família não muito boa, não seriam luxuosos aqueles objetos.
E não eram. Simplesmente porque não existiam. Entre uma mesa vazia, e um jornal, estava a figura de um pai cabisbaixo. Tomando um café preto, ainda cansado do trabalho noturno, esperando o momento triste que teria de dizer ao filho, que ele teria de ir com os mesmos materiais do ano passado.
Nenhum pai gostaria de dar essa notícia, mas como o menino já não era mais menino, sabia que não queria deixar o pai triste. Ofereceu seu melhor sorriso a ele, e engoliu seco, para, dar-lhe um "tudo bem". O garoto sabia que aquele pai faria e fez tudo o que podia, para satisfazer-lhe o desejo de não ser menos que ninguém. Mas o tudo não foi o suficiente. Azar, teria de encarar.
Juntou o caderno quase cheio, com alguns lápis já muito apontados, e seguiu seu caminho. Rumo as risadas iminentes e comentários cruéis que teria de enfrentar.
Ao chegar, assim que abriu a mochila, o jovem sentiu no peito, cada olhar e cochicho vindo de todos presentes. A professora, apiedada, tratou de começar logo as boas vindas, para não deixar a atenção voltada ao menino e suas coisas simples. Enquanto os outros olhavam para ela, o menino olhava para as outras mesas. Como um sadomasoquista tentando provar a dor, ele o fazia para sentir o desgosto de ser pobre. Isso mesmo, ele odiava ser pobre. Prometeu ali, que se pudesse, nunca mais iria passar por aquilo. Aquela aula foi muito difícil, mas seria uma de tantas que teria de aturar. Assim, no mesmo momento percebeu que, poderia e deveria encarar suas dificuldades de peito aberto.
A aula terminou, depois de muito apresar os passos, o garoto voltou à casa, e, para sua surpresa, viu seu irmão que há muito não via. Mais velho que ele, havia se mudado para outra cidade a quilômetros dali. Depois de um abraço, o irmão, viu que o menino não estava feliz. Ainda arriscou perguntar, mas o menino nada respondeu. Antes de fugir para o seu quarto, o irmão chamou o garoto e lhe mostrou uma mesa cheia de materiais escolares novinhos. O garoto não cabia em si de tanta felicidade. Tratou de guardar tudo na mochila e correu para o quarto para estudar detalhamento cada novo material que havia ganhado.
Mesmo assim, depois daquela dia, o menino aprendeu a ver além. Aprendeu a ser simples. Cruzou por tantos outros que pouco tinham, e tentou ajuda-los sempre que possível. Porque para ele, a partir daquele momento, não importava o que ele tinha, mas o quão simples e humilde ele deveria ser, para enxergar além do próprio umbigo, o esforço que as pessoas que o cercavam faziam todos os dias para lhe por um sorriso no rosto.
Pode ser inventado, ou uma lembrança, tanto faz, mas vale o relato e a pergunta: O quão simples você consegue ser?