Lamentações.

Lamentações.

Crônica.

Meus pensamentos agora estão vagando sem destino na velocidade da luz; vejo-me nas brenhas do sertão, perdido nas veredas em busca de recordações deixadas no passado, enterradas no cemitério do esquecimento. Estou próximo ao caldeirão no grande lajedo aberto pelas mãos do tempo, que por sinal está seco, e não encontrei uma viva alma até o presente momento; mas estou cercado de fantasmas: estou vendo minha mãe lavando a roupa da casa, e meu irmão mais velho, Josué, enchendo os corotes d’água cristalina que em épocas de fartura matava a nossa sede. Estou ouvindo o tilintar dos guizos dos poucos animais que tínhamos, andando pelas veredas em busca de folhas verdes para matar a fome.

Estou ouvindo um lamento triste que vem vindo pela estrada boiadeira; é meu pai, com sua boiada puxando o carro carregado de palma, alimento fresco que ainda suporta grandes secas, e mata a fome dos poucos animais que ainda temos; o lamento que de longe se escuta, é o gemido dos cocões do velho carro de boi. Estou ouvindo a voz de minha mãe me chamando para ajudá-la a recolher as roupas estendidas ao longo da cerca de arame farpado; é que o dia já está se fazendo noite, com o sol se escondendo no Morro dos Macacos.

Quantas lembranças agora me vêm a mente, quantos momentos alegres passei ali, e quantos momentos tristes, tudo sepultado no cemitério da saudade. Ah Meu Deus! O Rio Gavião? Seco como o deixei a quarenta e cinco anos atrás; é um rio sem nascente, sem água, sem vida, mas é caudaloso em épocas de chuvarada, e chega durar até trinta dias, a depender da estiagem.

Nunca ouvi ninguém dizer uma só palavra sobre sua perenização; eu estou querendo crer que o Rio Gavião não é um rio, é simplesmente uma grande enxurrada que se forma no vale, começando a sua formação no Morro dos macacos, e se estendendo por mais de vinte quilômetros abaixo, depois morre sem desaguar em lugar nenhum. O seu leito embora seco tem água, que brota de suas areias quentes bastando que se abra uma cacimba. Cada morador faz a sua, e cerca em volta para os animais não sujarem a água; esse Oasis é a salvação de muitos que vivem por aqui. Mais de quarenta anos já se passaram desde que saí, mas ainda estou vendo o meu rastro nas areias do Rio Gavião.

O Morro dos Macacos é uma grande encosta de formação rochosa em forma de "U", com muitas grutas, pouca vegetação, é um abrigo natural para animais peçonhentos.

A casa onde passei minha infância não suportou os mal tratos do tempo e nada dela ficou em pé; a casa de farinha, a paiada, o velho pilão, o carro de boi carcomido pelo tempo, nada restou. A dor que eu estou sentindo agora é uma dor estranha, esquisita; eu gostaria que o tempo tivesse parado, comigo vendo-me ali, cercado por todas as coisas que deixei um dia; a realidade é cruel, nada restou! Só saudades! Só saudades.

Guel Brasil
Enviado por Guel Brasil em 10/03/2016
Código do texto: T5569392
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