Enchimento de linguiça

Percebo que os matemáticos ingleses são excelentes usuários da lógica aristotélica ao negarem assertivas com o emprego de um simples non na forma de prefixo ou termo antecedente ao adjetivo negado, com ambos os termos separados por um mero hífen. Por exemplo, a negação da palavra logical é feita com a precedência do non, obtendo-se non-logical. Isso é fácil de entender e encerra uma prática deveras simples.

No mundo lusófono, vejo aquela prática negligenciada em escritos vários e noto inclusive a falta de uma preocupação maior com respeito à etimologia das palavras, talvez porque o conhecimento registrado em português adveio em grande parte de traduções imperfeitas, que nem sempre foram devidamente criticadas.

No vasto campo da matemática, por exemplo, lembro de ter me deparado com casos realmente sui generis, enquanto professor daquela ciência, essa revelando possuir muitos termos pouco ou não compreensíveis para os alunos adentrando aos conteúdos focados pelo facilitador.

Começo ilustrando dois fatos, por sorte, ainda não apagados de minha memória. Eles refletem e registram minha preocupação.

Inicio com o número irracional. Mas, como pode um número ser irracional?

Sei que o adjetivo racional significa ou deriva da palavra razão, fração ou divisão quando de sua própria definição no contexto matemático em que se posiciona a subárea análise numérica. Então, para negar-se esta origem etimológica, dever-se-ia dizer simplesmente não racional, como aliás fazem os matemáticos logistas publicados em inglês: non-rational! Decerto os espíritos de Russell e Whitehead estão a agradecer por isso!

O prefixo ‘ir’ pode negar o termo racional, podendo ter um correto significado; entanto, tão somente deve ser usado para significar a falta de controle da racionalidade e/ou do seu uso animalesco, ou seja, da própria falta da razão ou da psique no ser humano. As terminologias não racional e irracional denotam, pois, negativas de características singulares perfeitamente definidas e entendidas, mas em situações semânticas jamais semelhantes!

Uma outra definição que perturba demasiadamente os matemáticos críticos da semântica – e talvez eu me inclua nesse rol – repousa justamente no uso do próprio português empregado na definição da qualidade das associações. Naquela seara, estão perfeitamente definidas as associações injetoras e sobrejetoras e as correspondentes negativas: associações não injetoras e não sobrejetoras. A meu ver, inserem-se aí duas situações, no mínimo, pitorescas, e nelas as ditas relações ou funções são comumente mostradas em livros específicos, que abordam as referidas qualidades. Ei-las: associações que não são sobrejetoras e não são injetoras ao mesmo tempo; idem para associações injetoras e sobrejetoras simultaneamente. Para as primeiras, termo algum fora inventado pelos matemáticos no rico idioma português, fato que a lógica deveras agradece por não ter sido complicada pelo homo sapiens neste singular tópico e, consequentemente, tudo acabou por ficar muito simples! Todavia, para o segundo caso anteriormente assinalado, exacerbara a criatividade impulsiva que acompanha os homens, e que muito frequentemente aparece vestida de falta de nexo no mesmo grandioso homo sapiens. (Talvez seja melhor eu não chamá-lo de homo sapiens aqui!) E, daquilo tudo, eclodiram as famigeradas associações bijetoras.

Ora, ora, por que e como foram os termos injetora e sobrejetora transformados ou fundidos na palavra bijetora? – Pelo menos, negou-se o significado do prefixo ‘bi’, o qual tem também o mesmo significado do prefixo ‘di’. Que coisa mais estranha!...

Coitadas das associações não sobrejetoras e não injetoras! Termo algum fora dado para aquelas importantes associações.

Com o coração partido, procurei também dar uma ‘rica’ e valiosa contribuição aos matemáticos inventores de neologismos não lógicos e/ou com sentido deformado. Dessa maneira, denominei as esquecidas associações sem as qualidades devidas quer à injetividade e à sobrejetividade, sem aparentar remorso algum, de nulijetoras. Sei que o neologismo desse jeito ‘parido’ ou ‘abortado’ não é lá essas coisas, porém se mostra muito mais coerente que o adjetivo não adequado bijetoras – penso eu com meus botões!

Afirmo, contundentemente e sem medo de errar, que associações dispensam os nomes bijetoras e nulijetoras, pois estes são, sem sombra de dúvida, perfeitamente dispensáveis e tal fato basta por si só à racionalidade humana! Por conseguinte, procurarei ignorar aquelas duas palavras por completo!

O que se precisa mesmo é proceder-se a uma limpeza dos textos escritos em português e ora publicados contendo o uso de termos de pouco ou nenhum valor para a escrita e, ainda, para o próprio ser humano. Por conseguinte, entendo que quando determinado vocábulo é dispensável ao texto e à disciplina tratada com critério, nada acrescenta ao conhecimento e/ou à disciplina em consideração e, sem ter valia alguma, apenas molda-se e conforma-se numa ação vã e banal de encher linguiça em nosso idioma, perturbando provavelmente o seu aprendizado por neófitos. Tome-se, pois, o exemplo antes tratado na seara da vasta matemática.

Vejo, por fim, que neologismos não lógicos haverão de ser malditos à composição que os apresenta. Portanto, falham por serem não coerentes com a semântica ao perpassarem o tecido da língua portuguesa. Assim, haverão de ganhar repercussão negativa no seio de aprendizes, particularmente pelos iniciantes menos afeitos ao estudo da matemática.

Salvador, 10/01/2007.

Oswaldo Francisco Martins
Enviado por Oswaldo Francisco Martins em 07/03/2016
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