O Nentudo

- A natureza é uma coisa que está muito bem-feita - Comenta Ti Casimiro, levantando a cabeça enquanto visionava por cima dos óculos, a reacção dos presentes ao seu comentário.

A resposta não se fez esperar, como supunha. Não aquela esperava, nem de quem acreditava que reagisse. O seu propósito era acirrar o Doutor Eugénio, mas este, fez que não ouviu ou simplesmente ignorou o comentário do Casimiro da Azenha.

- Vossemecê lá terá a sua razão Ti Casimiro, mas já dizia a “inha” mãe, que “nem tudo é tudo, e nem tudo é o que parece”.- Observou o Arlindo alfaiate, conhecido pelo Nentudo, alcunha bem óbvia, dado à proverbial e repetida frase. – Mas prante-se em mim e diga que raio de natureza perfeita é esta.

- Ó Nentudo, quando falo que a natureza está muito bem-feita, é no sentido mais lato, e não me refiro a “pequenos pormenores”.

-Pois! Não é em si, porque se o fosse, não diria “pequeno pormenor”!

O doutor Eugénio dobrou o jornal e decidiu entrar na conversa.

- O que pra aqui vai!? Que o Nentudo fale desta maneira não me espanta, mas você Casimiro, empregar na sua comunicação redundâncias é que me surpreende.

- Perdão. senhor doutor! Não é bem redonda, a minha marreca é mais oval.

- Oh homem de Deus! Quando digo redundância não me refiro à sua protuberância, mas sim ao pleonasmo dito pelo Casimiro e repetido por si; “pequeno pormenor” ou “pequenos detalhes”, é mais ou menos como dizer “subir para cima” ou “descer para baixo”.

- Não entendo?

-Vamos dizer uma outra mais fácil: “Recuar para trás”- Recuar é retroceder, por conseguinte a palavra “trás” está a mais, ninguém recua pra frente. Entendeu?

- Ó doutor Eugénio, deixe-me pôr uma questão.- Interrompe Casimiro. - É claro que não devemos dizer “subir para cima” nem “descer para baixo”. Mas suponhamos uma situação em que um garoto, por exemplo, trepou a uma árvore e o risco de cair é grande. O pai aflito grita com voz forte e categórica:

"Ó rapaz, desce já para baixo!". Se o pai suprimisse para “baixo”? Onde ficaria expressa a preocupação do pai?

- O quê? E você “diz-me isso a mim?" – Repare que esta frase é propositada em resposta à sua. São pleonasmos de estilo. Pleonasmo estilístico ou literário, que é usado como recurso de um escritor no texto, com o objectivo de enfatizar uma ideia .

- Pois é meus senhores! - Interrompe Nentudo. - Como sabem eu pouco estudei e então desse vosso palavreado pouco pesco, mas ainda assim, acho que resolvia sem problemas essa situação. É que se o raio do miúdo subiu pra árvore eu apenas diria:

Desce-me já ou amasso-te esse coirão, meu desgraçado!

Lorde
Enviado por Lorde em 06/03/2016
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