NOITES DE VERÃO (Uma história real)
Texto de Samuel de Leonardo – Tute, extraído do livro “Hacasos” – Edição 2016
Foi numa tarde, lembro muito bem, quase final de verão quando a vi pela primeira vez, meus olhos brilharam e o meu coração acelerou. Linda, segui-a com olhos atentos descendo a rua e quando por mim passou desafiou o vigor dos meus 21 anos. Encantado fiquei com a beleza da moça e a segui sem pudor, entortei o pescoço, entornei as ideias, admirei o seu jeitinho, acompanhei seus passos, fiz dos meus desejos um alvoroço. Não, não podia perdê-la de vista, minha cabeça era só emoção, um quê de cobiça, acabara a razão. Até pensei, ai meu Deus, é coisa para tratar-se com o alienista.
Que sorte a minha, entrou no edifício, na mesma empresa na qual eu trabalhava, não perdi tempo, fui constatar o que tão bela menina faria naquele local. Bisbilhotei mesmo e sem nenhum remorso acreditei que não faria mal, com a idade que tinha sentia-me o tal. Nessa primeira abordagem nada apurei, mas pressentia que um desafio estava por vir. Acreditei na minha sorte mais uma vez, quando soube que seria mais uma colega de trabalho, bom começo, pensei, já é um bom atalho. Não poderia perder a concentração. Marquei território, mas com discrição, desta vez não agiria só pelo coração. A conquista merecia uma estratégia e um elaborado plano de ação.
Não seria fácil, entendi que outros fariam marcação cerrada na belezura, então, tinha que provar que seria capaz de conquistar tão meiga criatura, demonstrei simpatia, cortejei, dediquei-me sem hesitar, suei, transpirei, me inspirei. Mas a moça, o que tinha de formosura, tinha também de linha dura. Não, não a perderia sem insistir com afinco, faria o impossível e até me entortaria todo assim como faz o contorcionista, confesso que acreditei que tudo aquilo era amor à primeira vista.
Os dias passando numa rapidez desenfreada desde aquele início de fevereiro, eu ainda prudente, pouco avançara. Outras estações passaram, mais um verão por vir. Sentia-me tal qual as folhas no outono soltas, a vagar pelas ruas. Faltou-me o aconchego e o calor no inverno, agora a primavera anunciando renovação e eu só na intenção. O natal chegando, um presente, o meu coração pedia. Na certa, sabia que nutria por ela uma paixão secreta. Secreta, então, foi a chave da questão. Verdade que alguém a tirara no sorteio do amigo oculto, assim como oculto eu me manteria. Eu seria o falso amigo secreto na brincadeira de então.
Rotineiramente, depositava os meus bilhetinhos na caixinha e bem sei que todos ela recebia, pois respostas vinham em profusão, um tanto de ingenuidade nas mensagens, outro tanto de emoção. Simples papeizinhos com recadinhos singelos proporcionaram por algum tempo um envolvente elo.
Na noite da entrega dos embrulhos secretos, na festa de confraternização, os presentes foram trocados e os amigos revelados. Ela não me tirara, eu tampouco ela. Pensei então em enfrentar o perigo, criei coragem e revelei que fora eu o falso amigo. Com um lindo e envolvente sorriso ela confessou, bem que desconfiava, tinha plena certeza de quem fora o autor de tal proeza.
Uma fresta se abrira, ajudara a aproximação, oportunidade escancarada chance conquistada. Daí para um convite para sairmos foi muito suave. Cinema amanhã, um lanche quem sabe ou um simples passeio pela cidade.
O dia seguinte, para passar, foi uma eternidade. As tarefas rotineiras não me rendiam e eu precavido para ninguém desconfiar de tamanha euforia. A jornada se finda, muito a fazer na noite que prometia. O pensamento, um turbilhão, tantas coisas a pensar, incertezas em demasia, só não antecipara que a minha vida mudaria.
Era 21 de dezembro, início da estação, primeira noite daquele verão, não de um verão qualquer, como o tempo provaria. Uma chuvinha teimosa a cair e só ela precavida portava a sombrinha, agora comigo dividida. Uma vez mais sorte minha. Oportunidade para caminharmos juntinhos na calçada, segurando o braço dela, driblando as poças d’água e protegidos por uma umbrella. Um sanduíche partilhado, um suco, um copo e dois canudos, um beijo ainda tímido e moderado foi o começo de tudo. Um filminho para descontrair sem ousadia para evitar um bofete, em cartaz no Cine Gazeta, uma película emblemática, “Aeroporto 77”.
Não me recordo do que assisti, se é que vi. Também nada sei do avião, se caiu ou em qual destino aportou, a única certeza é que o meu coração, desde então, decolou, continua a viajar, já são 45 verões e até hoje não pousou.