Imagem: Ana Bailune
SOBRE CASA, POESIA E MÃOS DE FADA
Nunca tive mãos de fada. Sou um verdadeiro desastre para cortar, costurar, bordar ou pintar. Também não consigo produzir bolos muito bons, ou fazer com que as plantinhas cresçam bem. Infelizmente, não herdei o dedo verde de minha mãe, que pegava um galhinho meio-seco de qualquer coisa, espetava no chão, se esquecia dele e de repente, lá estava uma roseira coberta de rosas vermelhas, ou então uma pé de fruta.
Não tenho a habilidade de Tia Rosa, que fazia bolos de maçã tão fofos, que pareciam aerados. Os meus ficam "massudos" e pesados. Nem sempre dão certo. Não sou como minhas irmãs, que cortam e costuram qualquer coisa, de roupas a cortinas e almofadas maravilhosas. Cada um com suas habilidades...
Na escola, tive aulas de bordado. Ainda me lembro dos meus paninhos riscados, as linhas tortas passando sobre os riscos, cheias de pequenos nós. A professora acabou desistindo de mim, tal a minha falta de jeito. Pouco antes de minha mãe morrer, falei-lhe sobre minha vontade de aprender um trabalho manual; ela me comprou uma revista e um CD que ensinavam a bordar, passo a passo. Porém, nunca assisti ao video. Ela sabia fazer aqueles pontos complicados e maravilhosos, e quando eu era criança, também tentou me ensinar, mas foi em vão. Minha mãe ensinou minhas irmãs a costurar na nossa velha máquina Singer de pedal. Uma delas fazia pantalonas tão boas, que as amigas compravam tecidos e pediam que as costurasse para elas (era o final dos anos 70). Quando chegou a vez de me ensinar, fui uma verdeira negação como aprendiz: até hoje, não consigo nem colocar a linha na máquina. Ela se perde entre tantos furinhos e caminhos, vais-e-voltas... a coisa não acontece!
Mas acho que sei cuidar bem de uma casa, limpar, arrumar, enfeitar. Consigo fazer uma comida simples e muito boa, mas sem sofisticações.
E sei escrever poemas. Não sei se meus poemas são bons, mas eles me servem. Para mim, a casa é um poema que a gente escreve e nem percebe, pois nós escolhemos tudo o que está dentro dela, e acho que há muita poesia nisso; mesmo que peguemos um galho de flor na beira da calçada e o coloquemos em uma garrafa de vidro sobre a mesa de jantar, existe nesse gesto muita poesia.
Minha cabeça é um turbilhão de coisas que chegam e me pedem para colocá-las no papel. Também escrevo contos, ou seja, esboços de contos, pois se fosse escrevê-los como é para ser, acabaria (como já aconteceu muitas vezes) perdendo a paciência, então ponho as ideias no papel como elas me chegam, sem revisões e sem pretensões. Dou-lhes voz porque elas me pedem. Às vezes, tenho uma história na minha cabeça com começo, meio e fim. Sei exatamente aonde quero chegar, mas de repente, um dos personagens me rouba a caneta e segue por outro caminho totalmente diferente. E eu deixo ele ir.
Poesia em casa acontece quando a gente olha para um canto, vê que está faltando alguma coisa, e de repente colocamos um paninho de croché ou uma almofadinha e sentimos que ficou melhor, mais bonito e aconchegante. Poesia é aquela pequena mancha no sofá, a rachadura antiga na parede, a tinta descascando no muro, a colcha velha de tricô ou de patchwork - coisas que ajudam a contar a história de uma casa. Deus me livre de uma casa impecável, dessas que a gente vê nas revistas, por onde a poesia passa bem longe. A gente pode sentir a poesia quando, em uma noite de sábado silenciosa, depois que todo mundo foi dormir, nos levantamos para beber água; vamos descalços até a cozinha na casa semiescurecida, e escutamos o relógio tiquetaqueando. Caminhamos sobre os tapetes e corredores, e nos sentimos protegidos nesse lugar que é tão nosso, que é tão a nossa cara: a casa.