Assim ou ...nem tanto 33
À procura
Quando saltou da janela para o jardim rasgou a meia de malha negra e a cabeleira saiu do lugar. Olhou a rua. Raros automóveis confirmaram a certeza interior: passava das dez. Abriu o portão de ferro e deslizou para a noite. Sentiu um vento frio nas coxas e esticou a saia curta estugando o passo tanto quanto lhe permitiam os sapatos de salto alto. Antes de entrar corrigiu, no espelho do átrio, a posição dos cabelos, acentuou o vermelho dos lábios, respirou fundo e disse: - sim, farei vinte e cinco em Janeiro. O homem piscou-lhe o olho, sorriu e afastou-se para lhe dar passagem. Ao balcão pediu um gim, molhou os lábios e rodou o olhar pelo salão mergulhado em sombras. Havia gente nas mesas e um casal de madurões dançava, à margem da música, rindo alto. Três mulheres conversavam junto à pista e o empregado cirandava com garrafas, dispunha os copos e sorria. Quando sentiu as mãos fixas nas ancas a voz raspada sussurrava ao seu ouvido: - dançamos? Dançaram. A coxa musculada invadia as duas pernas de modo brutal, a respiração ofegava no seu decote aberto, o hálito da conversa era uma mistura de menta, vermute e charuto. Afastou a boca, com asco, sorriu sufocada pelo rubor e agradeceu as notas que ele lhe enfiou pelo decote como uma espécie de sinal de reserva. Quero-te para a noite toda, disse. O bolero chegara ao fim e ele, seguro da presa, voltou-lhe as costas e desapareceu na porta dos lavabos. Tinha de sair dali quanto antes. Estendeu a nota ao barman, saiu apressada, tirou os sapatos e correu. As lágrimas abriam sulcos na base e o rímel escorria, negro, até ao queixo. Era mentira, o Jorge não estava lá.