Nos tempos do Jornal do Povo
 
Luiz Carlos Pais
 
 
Esta crônica focaliza traços históricos da imprensa de São Sebastião do Paraíso, no Sul de Minas, relativos ao ano de 1903. Sua redação foi motivada pela leitura inicial da obra do escritor e advogado paraisense José de Souza Soares, publicada em 1922, no contexto das comemorações do centenário da Independência do Brasil e de edificação da primeira capela consagrada ao padroeiro da cidade. Uma obra histórica que focalizou o cenário político das primeiras décadas de funcionamento da Câmara Municipal, articulando com temas sociais, entre os quais uma descrição dos primeiros órgãos da impressa local.
 
Após pioneirismo de “A Voz do Paraíso”, primeiro jornal de São Sebastião do Paraíso, criado em 30 de maio de 1901, dois anos depois, foi lançado o Jornal do Povo, cuja primeira edição foi lançada em 19 de julho de 1903, um empreendimento da empresa Silva, Naves & Amaral, sendo o seu primeiro diretor o capitão Manuel Venâncio da Silva. Em 1905, esse semanário estava circulando como propriedade de outra empresa intitulada Amaral & Amaral, quando A Voz do Paraíso tinha deixado de ser impressa, conforme dados publicados no Almanak Laemmert do Rio de Janeiro para o ano de 1906, impresso com dados referentes ao ano anterior.
 
Desde aqueles anos, uma prática comum para manter a produção e circulação de um jornal consistia em reproduzir matérias publicadas em outros jornais, geralmente, para divulgar casos ou causos curiosos, alguns deles dosados com boa dose de humor, ironia ou crítica de costumes sociais. Nesse sentido, o Jornal do Povo, em edição de 1908, reproduziu um suposto edital publicado em outro jornal do interior. Trata-se de um enérgico delegado que ao assumir o comando de uma cidade mandou divulgar as regras do “código de postura”, que os moradores deviam acatar, sob pena de serem punidos, com a devida aprovação da Câmara Municipal.
 
Faço saber ao povo da minha vara que a câmara aprovou e no próximo dia quatro sairei pelas ruas para cumprir as regras, inclusive das senhoras. Vou aferir o peso de todo comerciante, bem como suas respectivas varas de medir. Ficam proibidos todos os tipos de rego exposto na cidade. Aquele que tiver algum descoberto deverá tapar, bem como todos os buracos. Caso contrário será cobrado multa de 20 mil reis. Nenhum animal da ordem das cabras poderá roer na vizinhança. Toda pessoa que tiver seu bicho que o traga bem seguro, se andar solto, multa de 60 mil reis. Nenhum negociante ou taberneiro, mesmo que seja coronel da Guarda Nacional, não poderá vender farinha em cuia, o que é ladroeira. Nesse caso, a multa será de cinco mil reis. A todo indivíduo de raça canina, sem a coleira, será oferecida uma bola. Ainda mesmo que seja desses de cabelinho branco, criado por madame. É proibida a venda de leite com água ou de água com leite porque prejudica o negócio dos leiteiros honestos. Boi ou vaca deitado na rua sem lanternas nos chifres, de modo que os andantes a vejam de bem de longe, multa de cinco mil reis. Cantadores de modinha desafinados, tarde da noite, na porta de botecos, cadeia até de manhã porque não quero esses desaforos nos meus distritos. Ninguém poderá andar armado, com armação alguma, nem de pau ou relho na mão porque isso é perigoso. Nesse caso, multa de quatro mil reis. Toda contravenção emitida nessa postura será resolvida pelo meu entendimento. E para constar e não dizerem depois que não sabiam, mando pregar esse edital na porta e na frente do boticário, lugar onde se fala da vida alheia. Assinado, fiscal geral Alonso. A presente notícia foi publicada no Jornal do Povo, de São Sebastião do Paraíso, que por sua vez a reproduziu de outra folha da imprensa. [Gazeta de Queluz. 10 de Maio de 1908]
 
Passado algum tempo, José Aristheu de Castro exercia as funções de redator do Jornal do Povo e também de representante do jornal “O Estado de São Paulo”, em São Sebastião do Paraíso. José Aristheu de Castro também exercia o ofício de advogado não graduado em Curso de Direito, da mesma forma como fazia o político José Aureliano de Paiva Coutinho, quando quatro advogados diplomados atuavam na comarca local: Antônio Villela de Castro, Drausio Vilhena de Alcântara, Francisco Soares Netto e José de Souza Soares, como consta publicado no Almanak Laemmert do Rio de Janeiro para o ano de 1915.