Desobediente sim, bobo não.
Desobediente sim, bobo não.
Igual a tantos outros garotos Joãozinho gostava de nadar. Na verdade nadar não era bem o termo porque o piá era um nadador ruim. Nadava um pouco no estilo popular, que a piázada chamava de braçadas e um pouco no estilo carrorrinho. Está me perguntando se ele mergulhava? Digamos que sim, mas para falar a verdade eram barrigadas que dava na água. Não conseguia a posição certa do mergulho e o que conseguia eram barrigadas, que muitas vezes divertiam os amigos. Mas o fascínio não era propriamente a natação e sim o brincar na água. É oportuno dizer ao leitor que o garoto era proibido de brincar na água pela sua mãe.
Proibido era, mas não obedecia a proibição. Na verdade a proibição era um cuidado que sua mãe tinha para com ele. A mãe do piá havia perdido a avó, em queda em um rio, em tempos remotos. Tempos em que as mulheres lavavam roupa nas margens dos rios. Conta a senhora que determinado dia sua avó lavava roupas na beira de um grande rio e acabou caindo no interior do rio, que era fundo, vindo a falecer e nunca mais foi encontrada. A avó havia deixado cinco crianças órfãs. Agora o leitor já sabe o motivo do cuidado e da proibição da mãe para que Joãozinho não fosse nadar nos riachos e perigosas cavas existentes na periferia da cidade grande. Entretanto, o piá não respeitava as proibições e ia nadar, ou melhor, divertir-se nos riachos e cavas. Normalmente, quando a mãe de Joãozinho descobria que ele havia ido nadar em locais perigosos, lhe dava uma surra para que Joãozinho não mais fosse nadar. Naqueles tempos não havia conselho tutelar e as mães e pais corrigiam os filhos com palmadas ou varadas. A vara mais temida era a que era conhecida como vara de marmelo. Era uma vara seca e que doía bastante. Joãozinho esperava a mãe se distrair, e, sorrateiramente, pegava as varas de marmelo e as quebrava. Igualmente, não importava a ele se ia apanhar, ele sabia que quando quisesse nadar iria, uma surra a mais ou a menos não faria diferença.
Joãozinho sabia que as varadas de sua mãe não doíam muito, porém, quando o pai o pegava... Por falar nisso, Joãozinho não esquece uma vez que apanhou de seu pai, e é conveniente dizer ao leitor que tem poucas lembranças das surras que levou do pai. Mas vamos a estas cintadas que levou e que não esquece. O piá havia ido nadar nas cavas. Com o tempo sua mãe descobrira uma técnica para saber se ele havia ou não ido nadar escondido. Ela riscava levemente o braço do garoto com a unha, se ficasse um risco é porque havia ido nadar. A pele do piá ficava ressecada após nadar e secar e isto denunciava a infração. Curiosamente, naquele dia a mãe não o surrou, Joãozinho estranhou. Porém, à noite quando o pai do garoto chegou, a mãe contou que o piá havia ido nadar. Silêncio geral. O pai após terminar de jantar dirigiu-se ao quarto do piá, que fingia dormir. O pai disse ao menino: “pode levantar que sei que está acordado”. Terminou a fala e puxou a coberta já com a cinta na mão. Joãozinho rapidamente escondeu-se debaixo da cama. O pai puxava a cama para cá, Joãozinho acompanhava o movimento para o pai não pegá-lo, porém, o pai alcançou suas pernas e o puxou para perto de si e lhe deu umas boas cintadas. Joãozinho ficou puto da cara com seu pai, mas não reclamou. Não era louco e sabia que se reclamasse levava mais umas cintadas. Falar não falou, mas pensou uma porção de impropérios contra seu pai, que o fez prometer que nunca mais iria nadar nas cavas e nos riachos. Joãozinho prometeu, mas não cumpriu a promessa. Dias depois, na primeira oportunidade estava dando braçadas nos riachos e cavas da região.
Esta situação, as vezes se repetia durante as férias de Joãozinho. Faz-se oportuno dizer ao leitor que as viagens de férias de Joãozinho, costumeiramente, eram para as casas de seus avós paternos e maternos. Os pais o advertiam para que não fosse nadar, porque nestas cidades havia rios. E na cidade dos avós maternos estava o rio em que sua bisavó falecera afogada. Joãozinho concordava com os pais e dizia a eles que não iria aos rios. Mas ia. Tudo da boca para fora. Na primeira oportunidade lá estava o garoto dando braçadas em algum riacho. O Piá entendia a preocupação e o cuidado de seus pais, porém tinha segurança de que sabia evitar situações perigosas. Nunca ultrapassava os limites dos rios em que a água fosse profunda e ficasse acima de seu tórax. Em alguns rios não entrava, porque era desobediente, mas não era bobo. Joãozinho gostava de ir ao rio em que se afogara sua bisavó. Era um rio bonito, pujante, com uma correnteza forte que exigia respeito. Somente adultos que tivessem destreza na natação podiam arriscar-se no rio, que era profundo, e que em tempos remotos teve embarcações navegando em sua superfície. Mas o rio o fascinava. Gostava de ficar sentado nas pedras situadas nas margens do rio, observando-o. Com oito anos de idade, sabia do perigo. Contentava-se em ficar atirando pedras de sabão, como o povo nomeava umas pequenas pedras finas e circulares, ao rio. O desafio e a disputa que estabelecia com seu primo era ver quem conseguia fazer a pedra de sabão repicar mais vezes na superfície do rio, antes de submergir. Os piás não eram bobos e quando queriam nadar, iam a outro rio em que houvesse partes que a profundidade não fosse maior que suas diminutas estaturas. Normalmente estas partes ficavam na beira dos rios próximo ás suas margens. Digamos que a desobediência do piá era uma infração cometida com segurança.
Com o tempo, aprendeu uma maneira de evitar as surras. Quando voltava dos rios, entrava escondido em casa, tomava um banho e secava-se. O banho retirava o ressecamento da pele e não denunciava para sua mãe que havia ido nadar. A mãe perguntava se havia ido nadar, Joãozinho negava de pé junto, mas que tinha ido, tinha.