CRÔNICAS DO TREM: DIVERSÃO

Sou definitivamente old fashion, acho o silêncio que domina os trens de hoje algo sepulcral, dá até saudades dos gigantescos aparelhos de som que os antigos jovens carregavam junto aos ouvidos no último volume.

Hoje a coisa é tão impessoal que a toda hora se escuta o aviso:

- “É proibido o uso de aparelhos sonoros sem o uso de fones de ouvido.”

Com a minha vocação de estar sempre nadando contra a corrente, não os uso! Canto, baixinho, mas só com isso já me olham feio...

Podia até desconfiar dos meus dotes musicais, se não fosse o fato de que o mesmo olhar atinge todo mundo que conversa. Parecem dizer:

-“Porque vocês não usam o facebook ou o Whatsssap como todo mundo?”

Amava quando dava a sorte de pegar uma turma de cinquentões que vinham a viagem inteira (duas horas) conversando sem parar. Infelizmente um dia me empolguei e tentei participar. Esqueci que eles são apenas pessoas normais distantes do meu mundo louco. Contei uma estória antiga de uma auxiliar de enfermagem que foi levar um corpo no SVO da Santa Casa e este fica nos corredores subterrâneos daquele complexo hospitalar (pé direito enorme em abóboda de tijolo a vista, eles deviam alugar aquele lugar como set de filme de terror) e eles pensaram que eu trabalhava no IML, quando na verdade sou enfermeiro e tento todo dia evitar que se enviem corpos para lá. Me tratavam meio como um intocável indiano. C’est la vie!

Um dia os encontrei e eles cumprimentaram com o costumeiro asco. Fiquei na minha, os escutando e rindo por dentro, mas acabei gargalhando quando uma contou como trabalhou a semana inteira para fazer o cabelo do jeito que queria. Horrível por sinal. A cada tentativa da cabeleireira de fazê-la mudar de ideia dizia:

- “Faz do jeito que eu quero! Tô pagando!”

O mais galhofeiro da turma disse:

-“Olha, divertiu até o cada dos defuntos!”

Respondi:

-“Camarada, eu tenho que me divertir com a vida! No serviço é que seria meio estranho, não é?

Todos riram e fomos conversando até a Luz. Durante muito tempo esperávamos até todos chegarem para irmos na mesma composição. No entanto os percalços da vida tanto juntam quanto separam. Um mudou de horário, outra arrumou emprego na cidade. A pandemia foi só a pá de cal...

Diogenes R Cardoso
Enviado por Diogenes R Cardoso em 29/02/2016
Reeditado em 20/07/2024
Código do texto: T5559366
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.