A RAINHA DO LAR
Segundo os dicionários da língua portuguesa o que chamamos de lar é uma forma especial de se definir a casa ou os assuntos relacionados a ela, como a convivência com a família e os vizinhos. “Lar” ainda pode ter um significado conotativo de forma romântica e de maneira carinhosa, como a expressão popular: “lar, doce lar”.
Entendo que outra forma de definição seria a de um cantinho peculiar, um espaço sublime, uma fortaleza, um porto seguro ou algo mais abrangente como uma nação, com suas características e com plena soberania. Assim como qualquer nação tem um governante, tanto que era muito comum em décadas passadas atribuir o reinado do lar às mães, apregoando-se aos quatro cantos a célebre frase, “mãe, a rainha do lar”.
Na realidade, o papel de mãe sempre foi exercido com maestria em todos os sentidos de governança. Embora ainda persista, na maioria das habitações e de núcleos familiares, a expressão de “rainha do lar”, a verdade é que esse título tão bem empregado para tratar as matriarcas vem perdendo sua importância no decorrer dos últimos anos. Contam os nossos antepassados que as famílias tinham em seus lares momentos absolutos, onde os membros se reuniam cotidianamente diante do altar para as ladainhas e para as rezas, para depois em torno de uma mesa saborearem o sagrado alimento, sem antes o patriarca puxar o falatório para os agradecimentos. Embora o varão da casa determinasse o compasso da orquestra, cabia à mulher servir as refeições, um a um, primeiro o marido, depois os demais.
Nas casas mais humildes, a conversa girava em torno dos acontecimentos do dia. Nas casas mais abastadas, pausas para leituras, declamações de poesias, leituras de partituras, sessões de pianos entre outras atividades sociais.
Com o advento da revolução industrial, o cotidiano começa a sofrer influências externas. A energia elétrica proporcionou um tremendo impulso para o progresso, inclusive, o de patrocinar reuniões familiares em audiências musicais em modernos toca-discos, mas a mãe continua reinando nos lares. No início dos anos vinte, a invenção do que considero uma das maiores revoluções da mídia, a era radiofônica, onde famílias se reúnem diante do rádio que passa a ocupar lugar de destaque no ambiente doméstico. Perceba que mesmo a mãe exercendo o seu relevante papel no lar e ainda denominada rainha, a mesma perde terreno para as radionovelas, para os programas de auditório, para os grandes musicais, para nomes de locutores de vozes marcantes e de cantores e cantoras famosas à época.
Mas o mundo é dinâmico e as coisas não param. Chega a vez de outra invasão, a era da televisão, e uma vez mais o lar se rende. Mais do que ouvir, podia-se ver o ídolo mesmo que em preto e branco. Assim, a televisão ganha um lugar de evidência, onde houvera antes um altar, um piano, um aparelho sonoro, agora o espaço é ocupado e a rainha do lar, por sua vez, vai se exaurindo em sua importância. A refeição esfria, o diálogo se esvazia e a sala, agora, ganha um colorido e as imagens do televisor ficam mais atraentes, perto da realidade, quase perto da perfeição.
Pode-se agora interagir com a máquina. As casas ganham mais um aparelho, individualizando ainda mais o já tão individual relacionamento. Pode-se ouvir rádio em qualquer situação e local, pode-se assistir à TV e ouvir música também no computador, até no celular, pode-se tudo, se quiser até conversar. A mãe segue sua sina de imperatriz, o trono deixa de ser nobre e ela persiste na sua saga de rainha do lar, só que ainda não percebeu que fora abdicada, existe outra rainha em seu lugar.
O diálogo, agora, toma outra proporção, a sala tem o mesmo conceito, o de reunir pessoas, onde todos falam, mas não conversam entre si. À mesa, além das louças e talheres individualizados, tem agora outra peça fundamental para cada um dos elementos de corpo presente que por vezes comem, mas invariavelmente manuseiam seus aparelhinhos em busca de uma melhor posição, agora comandados por outra rainha, bastando apenas o seu sinal. Essa agora é a rainha do lar, a rainha de toda a rede, a rede Wi-Fi.