Bailinhos

Quando eu era criança, tinha um tipo de festa que acho que não existe mais: os bailinhos em casa. Era comum nas festas de aniversário a partir de uns 9-10 anos ajeitar uma garagem ou quarto da casa, colocar uma vitrola com um disco vinil (procure no Google se quiser saber o que são esses objetos) e por música para a gente dançar.

Na primeira festa assim que eu fui, foi uma experiência inesquecível. Era a festa de uma menina do colégio, que eu mal conhecia, foi na casa dela, na Lapa. Eu tinha uns 10 anos de idade, era um garoto super tímido, nem falava com meninas, fiquei surpreso de ser convidado. Só tinha eu e mais um menino na festa, e umas 6 meninas da classe, mais parentes que eu não conhecia. Passei a festa eu e o menino conversando e brincando, e as meninas num quarto no fundo do quintal dançando.

Depois do parabéns, a mãe dela falou para irmos dançar. Gelei. Como assim dançar? Não sei nada disso, quase morri de vergonha só de pensar. Ela era insistente, disse que mostrava como era, que eu devia escolher uma menina que eu gostasse ou achasse bonita e ela ensinava. Não ajudou nada! Em pânico, escolhi uma que morava no mesmo prédio, era bem bonitinha e ao menos eu conhecia um pouco mais. A mãe da aniversariante então ensinou: você põe as mãos na cintura dela, ela põe as mãos dela no seus ombros, vocês vão dando passos para o lado, no ritmo da música. Devo ter ficado mais vermelho que um camarão, mas não sabia dizer não, fui em frente com o coração quase estourando tamanha a vergonha.

Não sei quanto tempo durou a dança, sei que pareceu muito, mas não foi , por que logo deram uma vassoura para minha parceira. Era assim: para aliviar a pressão de ter de tirar alguém e dar chance para todos dançarem, tinha a dança da vassoura. Se o número de pessoas não era pareado, conforme o que tinha mais, no caso meninas, a menina que sobrasse ficava com a vassoura. Ela escolhia com quem queria dançar e dava a vassoura para a outra menina, e assumia o par dela. Como tinha muitas meninas, algumas dançavam com outras.

Passado o sufoco da primeira dança, que deve ter sido maior para a menina que escolhi, pois eu devia dançar muito mal aprendendo na hora, aquele primeiro bailinho se tornou uma boa lembrança para mim. Até então, eu nem olhava muito para as meninas, era um moleque que só pensava em brincar. A partir dali, elas passaram a fazer parte do mundo.

Com o tempo mais bailinhos vieram e com eles novas emoções. Eu ficava torcendo para ser convidado, depois para que as meninas que eu mais gostava irem, para que acabassem as músicas rápidas – era época da disco, e os discos “Excelsior – A Máquina do Som” parecia que não tinham músicas lentas, que ficavam para o fim da festa.

Aí, era hora de criar coragem e chamar as meninas para dançar. Eu começava pelas mais legais, normalmente não as que interessavam, mas que dificilmente dariam tábua. Levar o primeiro não era duro, mas era com os nãos que eu aprendia que o mal da rejeição não era grande o suficiente para o bem do aceito.

Com o tempo, as danças foram ficando juntinhos, era uma delícia sentir o coração da menina batendo, o ficar nervoso quando eram as que interessavam. Não era comum, ao menos nos bailinhos que eu ia o pessoal “ficar”. Não era fácil assim, existia o pedir em namoro, que era algo para os mais ousados, eu não passei do chamar para dançar.

Com o tempo fomos crescendo, as meninas tornaram-se mulheres, ganharam corpo e com isso a conotação sexual certamente surgiria, talvez por isso após os 13 anos os bailinhos foram rareando e após os 14 simplesmente acabaram, substituídos por outros tipos de diversão.

Ainda assim, o tipo de sentimento que vivi naqueles bailinhos é algo que não me sai da memória. Era uma atração romântica, de uma inocência que não vejo hoje em nada do que meus filhos e outros vivem, o mundo tornou a sexualidade presente desde a infância. Acho que aos olhos de hoje, ficar nervoso para chamar uma menina para dançar soa ridículo. Mas a vida de cada um é diferente e se não tivesse passado por essas coisas, teria perdido algo gostoso em minha vida.
Paulo Gussoni
Enviado por Paulo Gussoni em 27/02/2016
Reeditado em 03/01/2021
Código do texto: T5557252
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