O CORVO

Um pouco febril. É por causa do resfriado.

Só me resta ficar quieta, assistindo televisão. E o que vejo agora? Uma família que adotou um corvo como animal de estimação. Até aí, tudo bem. A mulher trata o preto animal, como um cachorrinho ou gatinho. Ele parece ser muito esperto. Até aí, tudo bem também.

O corvo é uma ave que na mitologia era visto como portador de maus presságios devido sua plumagem preta e hábitos necrófagos. Sobre o fato de ele parecer ser bastante esperto, não é de se estranhar porque já foram feitos estudos e provado que o corvo possui um aparato cognitivo capaz de lhe propiciar diversas ações que podem ser compreendidas como sinais de inteligência.

Um espirro... Outro espirro.

O que me causa surpresa foi saber que o tal corvo, tem mais de 1.200 seguidores na Internet!

O que será isso? Falta de amor? Falta de sentimento que induz a se aproximar de outra pessoa com o intuito de protegê-la? De conservar a pessoa pelo qual se sente afeto? Falta de afeição por outro? Falta de ligação? Falta de disposição de afeto?

Ou está faltando receptor de amor? Medo de se relacionar com outro?

É... É bem mais fácil e seguro ter amor por um bichinho. Menos trabalhoso; menos perigoso; não machuca; não fere; não trai.

Uma assoada para limpar as fossas nasais do seu muco (eca; que nojo).

Nada contra o casal que cuida do corvo. É muito carinho para dar; então eles transferem todo carinho para o animal; dá para perceber pelo tom terno de voz utilizado pela senhora, dona do corvo.

Mais um espirro.

Minha indignação é causada pelo tempo perdido pelos jovens seguidores!

Alguém poderia dizer-me:

- Ah! Pelo menos, enquanto estão seguindo o corvo pela internet, não estão nas libertinagens da vida ou agindo desonestamente por aí.

Quem me garante isso? Quem me garante que esses jovens não têm mais nada na cabeça? Dá para fazer as duas coisas: seguir o corvo e viver na “putaria”.

Nesse tempo perdido poderiam estar lendo; estudando; pesquisando; assistindo algum filme ou documentário. Não querem pensar; não querem aprender!

Trancou meu nariz; respirando pela boca agora.

(Afinal, você veio aqui para falar de sua gripe? Do casal ter adotado um corvo como bicho de estimação? Do seu desprezo pelas pessoas que o seguem pela internet? O que você quer com tudo isso?).

Não sei de mais nada. Não sei o que penso nem o que escrevo. Não sei nem porque vim. Provavelmente por causa da febre.

Não deveria ter vindo. Deveria ter me recolhido, chá de limão e vitamina C.

Fui. Está na hora de tomar remédio. Desculpem-me.

Simone Possas Fontana

(escritora gaúcha de Rio Grande-RS,

membro da Academia de Letras do Brasil/MS, ocupando a cadeira 18,

membro correspondente da Academia Riograndina de Letras,

membro da UBE/MS – União Brasileira de Escritores,

autora dos livros MOSAICO, A MULHER QUE RI e PCC,

graduada em Letras pela UCDB,

contista da Revista Cultura do Mundo,

blog: simonepossasfontana.wordpress.com)